Você provavelmente já se deparou em algum momento da sua
vida com um desses rapazes de aparência estrangeira, traje social, crachá e
livro na mão. Usualmente as pessoas se referem a eles como “mórmons”, apesar de
esta não ser a forma como eles preferem ser chamados. São os membros da “Igreja
de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”. Logo de início, pelo título que
se dão percebe-se a pretensão dessa seita maluca: ser a congregação dos
escolhidos pelo criador na “plenitude dos tempos”.
Bom, para compreender melhor a origem desta sandice é
necessário remontar o contexto na qual ela nasceu.
Voltemos, pois, aos Estados Unidos da América no início do
século XIX. Pela história sabemos que a independência ianque se deu no fim do
século XVIII, e que a ocupação do continente norte-americano se deu
inicialmente na costa leste. No século XIX é que se dá com maior expressão a
expansão território adentro, a chamada “Marcha para o Oeste”.
Além disso, convém recordar que os EUA foram uma
nação erguida sobre duas colunas (dois velhos inimigos da verdadeira religião):
a maçonaria e o protestantismo. Justamente dessas duas colunas advém dois
valores que foram fundamentais na gênese dessa doutrina absurda, evidenciando o
quão desastroso pode ser a incorporação desses numa sociedade. A liberdade
religiosa tão cara à maçonaria e o livre exame das sagradas escrituras, uma das
bases da heresia protestante, foram os ingredientes formadores daquela nação.
Nesta
época, encontramos uma miríade de seitas protestantes espalhadas pelo
território norte-americano por entre as quais ganhava destaque uma corrente
teológica denominada “reavivamentismo”. O reavivamentismo é marcado por
manifestações de carismas, visões sobrenaturais, locuções interiores, todo tipo
de fenômeno místico (leia-se histérico) que possa arrecadar o máximo de atenção
e dividendos possível. Uma espécie de pai do pentecostalismo moderno.
Neste contexto em 1805 nasceu o pretenso profeta, Joseph
Smith. Um indivíduo desprovido de qualquer erudição, dotado de problemas
neuropsiquiátricos. Possuía por vezes crises epilépticas, às quais atribuía as
revelações sobrenaturais que usualmente recebia. Segundo o próprio, em 1820, em
meio a uma fervorosa oração, teria recebido a visão de “Deus Pai e Deus Filho”
e a eles teria perguntado qual das igrejas ate então existentes era a
verdadeira... A reposta foi “Nenhuma”.
Três anos após essa fatídica visão, o profeta teria recebido a visita de
um anjo, Moroni o seu nome. Moroni teria lhe anunciado a existência de um livro
escrito em lâminas de ouro que se ajuntaria à Bíblia como um complemento da
revelação.
Este livro estaria escondido em uma colina
(surpreendentemente) próxima à cidade onde residia Joseph Smith. Chegara a
plenitude dos tempos, portanto, o profeta estaria sendo convocado para
estabelecer a verdadeira igreja através do conteúdo sagrado destas lâminas. O
livro estaria em um idioma muito ancião, de entendimento impossível, mas o
profeta não teria que se preocupar, pois estariam também escondidas
conjuntamente, duas lentes dotadas de poderes sobrenaturais que permitiriam ao
profeta traduzir cada sílaba para o inglês moderno. Entretanto Moroni ainda ordenou que tudo isso
somente poderia acontecer quando se passassem quatro anos... O que foi
fielmente atendido pelo humilde Joseph Smith, que suportou esse longo período
na consciência de ter sido o fiel escolhido por Deus, no mais abnegado
silêncio.
Em meio a toda esta fantasia, vamos aos fatos. Em 1830 sem
que alguém jamais houvesse visto as tais lâminas de ouro, Joseph Smith publicou
o “Livro de Mórmon”. Quando pressionado sobre a inexistência das benditas
lâminas, afirmou que ao término da tradução o mesmo anjo Moroni as teria
recolhido, e apontou três testemunhas que teriam visto as sagradas palavras.
Curiosamente, os três senhores que juraram ter visto a revelação divina na
plenitude dos tempos, passado algum tempo, abandonaram a seita.
O chamado “Livro de Mórmon” possui um conteúdo tão distante
da realidade, que causaria enorme inveja a qualquer escritor romântico do mesmo
século XIX se fosse tomado apenas como mais uma obra literária. Mórmon seria o
ultimo dos profetas do povo Nefita, que vivera por volta do ano 400 D.C. nos
EUA, e recebera a missão divina de deixar o relato a respeito da existência de
um povo escolhido que vivera neste território...
Em breves linhas, a origem do povo Nefita se deu a partir da
viagem de Lehi, um judeu escolhido por Deus que viajou numa embarcação
juntamente com sua família e um punhado de seguidores, do Oriente Médio para a
América. Chegando nesta terra longínqua, estabeleceram-se e prosperaram. Após a
morte de Lehi, Deus escolheu Nefi, filho mais novo de Lehi como sucessor, e,
por essa razão, gerou um espírito de revolta em Laman, filho mais velho.
Formaram-se dois povos que viveram em guerra constantemente: Nefitas e
Lamanitas.
Os nefitas obtiveram sucesso, e receberam (nada mais, nada
menos que) a visita de N.Sr. Jesus Cristo ressuscitado, afim de fundar entre
eles a sua verdadeira Igreja, nos mesmos moldes da que havia fundado na Palestina, isto é, com
apóstolos, profetas, evangelistas e etc. Aparentemente, a Igreja fundada em
Jerusalém havia fracassado e se corrompido, por isso, a necessidade de
estabelecê-la numa outra sociedade. Tragicamente, Nosso Senhor erraria por uma
segunda vez, pois após duzentos anos de prosperidade, o povo nefita se
corrompeu e acabou perdendo espaço para os lamanitas, que se degenerariam nas
tribos indígenas selvagens que seriam encontradas pelos colonizadores ingleses
séculos depois...
Apenas estas informações desprovidas de qualquer
racionalidade seriam suficientes para identificar o embuste barato que o falso
profeta gostaria de propor. Entretanto, em razão desta seita ter acumulado
consideravelmente bens e seguidores ao longo destes duzentos anos de
existência, faz-se necessário apontar alguns pontos problemáticos em meio a
todo este delírio.
O chamado “Livro de Mórmon” relata que Lehi havia encontrado
“a vaca e o boi, o burro e o cavalo” assim que chegou ao continente americano.
Ora, isto é completamente impossível, todos estes animais não são nativos desta
parte do mundo, e somente apareceram nela com a chegada dos colonizadores,
milênios depois. Em adição, este mesmo livro, está repleto de citações
retiradas da Bíblia de King James (1611), da Confissão de Fé de Westminster, do
Livro Metodista de Disciplina e possui até mesmo uma citação de William
Shakespeare (Sim, o dramaturgo inglês que viveu entre 1564 e 1616).
É bem verdadeiro que Joseph Smith tinha uma amizade com um
pastor ex-campbellista, especializado em reavivamentismo e astuto citador das
Sagradas Escrituras, o sr. Sidney Rigdon. Juntos, formariam um par perfeito
para fundar uma seita protestante. De um lado a memória prodigiosa de Rigdon,
do outro os problemas mentais de Smith. O resultado dessa soma grotesca é um
livro recheado de estórias malucas, repleto de citações protestantes,
supostamente descoberto por um louco varrido que imputava um misticismo aos
seus respectivos surtos.
Para impulsionar a sua religião, Joseph Smith, valer-se-ia
um pouco mais tarde de outras fontes de fé para os “santos dos últimos dias”.
Indo além da Bíblia e do “Livro de Mórmon” , merece menção um reunido de
escritos apócrifos de Moisés e Abraão denominado “A pérola de Grandes Preços” e
uma revelação privada ao profeta que ficou conhecida como “A Doutrina e os
Pactos”.
Em “A Doutrina e os Pactos” a insanidade mórmon
fica expressa de modo ainda mais claro. Joseph Smith é apresentado como o
profeta da plenitude dos tempos, que fundará a verdadeira igreja nos EUA,
preparando uma Sião Americana na qual Nosso Senhor Jesus Cristo estabelecerá um
governo milenar no seu Segundo Advento... Ora se nos Estados Unidos, surgiriam
o McDonald`s e a Coca-Cola por que também não a verdadeira Igreja? Onde mais
poderia Nosso Senhor estabelecer o seu reino, senão “in the land of the free,
and the home of the brave”?
Voltando a história... Em 1830 com a publicação do Livro de
Mórmon, Joseph Smith começaria a sua empreitada na cidade de Palmyra, NY. As
doutrinas pregadas pelo profeta não eram bem recebidas por muitas pessoas. Em
virtude disso, por diversas vezes, Joseph e seus seguidores mudariam de cidade
fugindo da hostilidade dos anfitriões. Interessante notar que a cada troca de
cidade caminhavam sempre em direção à pouco habitada costa Oeste. Passaram por
Ohio, Missouri, até chegarem a Nauvoo (“Belo Lugar” em hebraico) no estado de
Illinois.
Em Nauvoo, a poligamia pregada e praticada pelo profeta,
gerou enorme revolta dos habitantes locais, causando a prisão Smith. Enquanto
ele aguardava julgamento, a população não se conteve, invadiu a prisão e o
fuzilou. Em 1844, morria o profeta da plenitude dos tempos, Joseph Smith.
(Trataremos com mais detalhes da poligamia pregada pelos mórmons mais a
adiante.)
Com o falecimento de Smith, Brigham Young foi o nome do
eleito à sucessão do profeta. Diante tantas confusões na costa leste dos EUA, o
novo líder da seita tomou uma sábia decisão do ponto de vista estratégico:
marchar para o Oeste. Dessa forma, os “santos dos últimos dias” chegariam ao
distante estado de Utah, onde às margens do lago salgado fundariam Salt Lake
City. Longe da civilização, e estabelecidos em uma região que se tornaria um
entreposto comercial entre Leste e Oeste, os mórmons teriam amplo espaço para
prosperar; e assim aconteceu...
Em Salt Lake City, construíram o grande templo,
desenvolveram-se enquanto povo e deram para a seita uma identidade própria,
ainda que pitoresca. Às custas do comercio e das ricas minas da região, a
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias teve amplo crescimento
econômico. Até hoje, sua zona de atuação não se limita ao âmbito religioso;
possuem, por exemplo, ações no mercado financeiro.
Salt
Lake City, UT
É importante salientar, que nem todos os mórmons aderiram à
seita liderada por Brigham Young. Como era de se esperar de um ambiente
protestante, após a morte de Joseph Smith, vários outros membros se levantaram
afirmando que seriam os verdadeiros sucessores do profeta. Tais informações
teriam recebido (surpreendentemente) também através de revelações místicas
privadas, e arrebataram consigo alguns grupelhos de fiéis. Entretanto, como os
liderados por Young representam a maior parte dos seguidores, até os dias
atuais, permaneceremos focando nesta
congregação.
Continua...
Veja aqui a segunda parte: http://www.associacaodomvital.com.br/2016/03/a-seita-delirante-dos-mormons-parte-ii_21.html
Referência Bibliográfica:
RIMBAULD, Pe. Leslie. Os Mórmons. Santa Cruz – Editora &
Livraria, Brasil, 2016.