Um dos temas estudados pela Dom Vital neste mês de novembro foram as heresias medievais. Dentre tantos movimentos heréticos surgidos no século XII chama atenção aquele que foi difundido e pregado por Arnaldo de Bréscia.
Nascido em Bréscia, por volta de 1100, estudou filosofia em Paris com Abelardo, com quem manteve uma amizade duradoura.[1] Pregou uma daquelas heresias com claro matiz político-social e, por conta de sua difusão, convulsinou Roma.
Arnaldo tinha convicções republicanas, atacou o clero e via na opulência da Igreja a origem de todos os seus males. Foi denunciado pelo seu bispo no Segundo Concílio de Latrão, sendo obrigado a abandonar a Itália. Em Paris continuou a atacar o clero até ser expulso de França por insistência de São Bernardo. Em 1144 retornou a Roma, reconciliando-se com o Papa Celestino II.[2]
Em Roma Arnaldo pregava a reconstrução do Capitólio, a renovação do Senado, a reforma da ordem equestre, inspirado nas antigas instituições romanas. Formulava a separação dos poderes espiritual e temporal, cabendo, portanto ao Sumo Pontífice a jurisdição eclesiástica sem o governo de Roma. Por conseguinte, advogava que a Igreja se desfizesse de todos os seus bens terrenos.
As teorias de Arnaldo fatalmente se ligam com Cola de Rienzo, humanista do século XIV, que foi excomungado pelo papa Clemente VI.[3] É interessante perceber que Rienzo foi inspiração para uma ópera de Wagner que fascinou uma das figuras mais diabólicas do século XX.
Na ópera, Wagner coloca Rienzo em oposição à aristocracia romana e que um dos seus intentos seria retroagir um século e restabelecer a república romana antiga. Os seus objetivos falharam porque ele sofre uma conspiração e morre entre chamas no Capitólio.
Assim como Arnaldo de Bréscia, Rienzo quer a república romana. Ambos convulsionaram a cidade eterna. Ambos poderiam se dizer do mesmo partido e da mesma tradição... Esse partido reapareceu no século XX com Mussolini à frente, convulsionando a cidade das sete colinas e querendo restabelecer as glórias da república romana. Seria Arnaldo um protofascista?
Hitler, admirador de Wagner, comoveu-se com Rienzi. Ao assistir a ópera disse: “Foi naquela hora que tudo começou.”[4] Restaurar as glórias antigas, como queria Arnaldo e Rienzo. Foi naquela ópera tantas vezes assistida que tudo começou. Hitler diria mais tarde: “Só entende o nazismo, quem entende Wagner”.
Mas Arnaldo pereceu. A filosofia do evangelho dominava as nações. O papa Adriano IV enfrentou a revolução provocada por Arnaldo lançando um interdito contra Roma, interrompendo-se com isso as cerimônias ligadas ao culto. Esse interdito foi recebido como verdadeira catástrofe! Frederico Barbarroxa, curiosamente um alemão, marchou em direção a Roma com a promessa de defender a Igreja e seus direitos e prendeu Arnaldo. Entregou-o ao papa e, após ter sido entregue ao prefeito da cidade, foi enforcado e seu cadáver queimado; em seguida, suas cinzas foram jogadas no Rio Tibre.[5]
Assim extinguia uma corrente política que voltaria à tona no século XX, através do nazi-fascismo. Pelas características, não seria exagero afirmar que Arnaldo de Bréscia foi uma espécia de fascista avant la lettre, mas foi barrado por conta da sadia influência da Igreja no Estado e na sociedade.
Um dos motivos do triunfo do fascimo e do nazismo no século XX, por certo, foi o retraimento da sadia influência da Igreja nas instituições e na sociedade, que já estava paganizada. Não poderia haver na idade média um Hitler e nem Mussolini, porque seriam combatidos e derrotados, como ocorreu com Arnaldo de Bréscia.
Antonio Manuel
[1] FALBEL. Nachman. HERESIAS MEDIEVAIS. Editora Perspectiva S.A. 1977. p32.
[2] Ibidem
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Cola_di_Rienzo
[4] https://www.youtube.com/watch?v=gDqGT4xepjQ
[5] Ibidem. p. 34.