Santa Clotilde, rainha de França |
Para sabermos o papel, função e
posição da condição feminina no ocidente, em Roma, melhor do que as obras literárias
ou exemplos individuais, o direito nos faz conhecer pormenor os costumes.
Reportemos ao direito romano, o conhecido sistema de legislação antigo, onde a
mulher em Roma não era sujeito de direito. A mulher, tal como o escravo, não
existia propriamente perante o direito romano.
A mulher era considerada um objeto, sua
condição pessoal, as relações com os parentes ou marido que são os chefes
todo-poderosos. No período imperial, a mulher também não exercia qualquer papel
oficial na vida política romana e não podia ocupar nenhuma função administrativa
nem na assembleia dos cidadãos, nem na magistratura e nem nos tribunais. Não
vivia confinada como a mulher grega, participava dos espetáculos e banquetes.
Na sociedade patriarcal que era Roma,
o pai decidia a vida e a morte dos filhos - patria potestas - sobrevivia apenas uma filha, no máximo duas com a intenção de
perpetuar a família. O infanticídio era comum entre as filhas mulheres. Ela não
recebia um nome, carregava consigo o nome da família (sobrenome do pai). O pai também
decidia o casamento da filha e em caso de adultério é ele quem mata a filha infiel.
O adultério do homem ocorria apenas a restituição do dote da mulher.
Com a difusão do evangelho desaparece
a primeira e a mais decisiva das discriminações entre os sexos: o direito de
viver. A palavra de Cristo enunciava a igualdade fundamental entre os sexos. Cometeria
um adultério tanto o homem como a mulher ao deixar seus cônjuges e se unir a
outros.
A virgindade era objeto, na Roma
pagã, de um certo respeito. As vestais, guardiãs do fogo sagrado da cidade, eram
muito respeitadas, mas as que violavam o seu voto de castidade eram enterradas
vivas. Designadas pelo pai e conduzidas por ele ao templo logo na primeira
infância, aí ficavam durante trinta anos, o seu estatuto trazia, portanto, a
marca da patria potestas, do poder
paternal, enquanto o voto de virgindade, feito pelos cristãos, de resto tanto
por homens como por mulheres, estabeleceu de fato o valor da pessoa perante o
casal.
Quando se estuda a história do
Ocidente, é impressionante ver a que ponto foi masculina até o século V.
Quantas mulheres se podem citar durante os séculos de existência de Roma e da
sua dominação? A conversão da Roma pagã se deu no interior da aristocracia
romana pelas mulheres que propagaram a sua fé (meados do século IV), os homens
permaneciam pagãos. Na geração seguinte aceitaram desposar cristãs, e, através
destas, a nova religião aclimata-se e a partir do ano 400 torna-se dominante.
Com a propagação do catolicismo a mulher foi a figura mais beneficiada.
A situação dada as virgens e as
viúvas desde a Igreja primitiva merece, com efeito, uma atenção especial. São
dois tipos de solidão que no mundo antigo, judeu ou pagão, acarretavam uma
espécie de maldição. Se nos reportarmos aos Atos dos Apóstolos verifica-se que
as viúvas são as primeiras assistidas na comunidade cristã. Uma verdadeira
função atribuída as viúvas, a ponto de São Paulo explicar detalhadamente as
qualidades necessárias as viúvas para ocuparem o seu lugar na Igreja e
assumirem um papel ativo. Antes as viúvas eram queimadas junto com o marido
defunto – religiões pagãs asiáticas. Imoladas na fogueira do esposo defunto, na
antiguidade clássica só algumas viúvas ricas escapavam do desalento.
É impressionante o dinamismo, a
capacidade de invenção das mulheres que o Evangelho
libertou. Um exemplo marcante é o de Fabíola, uma dama da aristocracia romana, que
se tornou discípula de São Jerônimo, impressionada por ver o número de
peregrinos que chegavam a Roma, onde se veem sem recursos, funda para eles uma
casa de doentes. Dito de outra maneira, Fabíola funda o primeiro hospital. Foi
uma mulher atenta as necessidades do seu tempo.
As questões de educação no primeiro
plano são competência da mulher. Aquela que cria e alimenta as crianças não
será mais dotada do que ninguém para saber instintivamente como lhes facilitar
a plena maturidade, lhes permitir a sua personalidade própria? O mais antigo
tratado de educação (Manual para o meu filho) em meados do século IX, foi
escrito por uma mulher, Dhuoda. O livro é composto de historias e anedotas,
fala das diversas tentações que assaltam a alma, das más inclinações que é
necessário combater: arrogância, luxúria, cólera... O primeiro conselho e antes
de mais “ler e rezar”. Ela repete frequentemente este conselho “no meio das
preocupações mundanas do século, não deixes de procurar muitos livros, onde
poderes, através dos ensinamentos dos santos padres e mestres, descobrir e
aprender sobre Deus”. A sua obra alimenta-se da Bíblia e dos pais da igreja.
Os mosteiros femininos e masculinos
são também escolas, e isto desde o início da vida religiosa no Ocidente. As
crianças, moças e rapazes, para serem instruídos e educados devem ser admitidos
no mosteiro a partir dos 6 ou 7 anos de idade. No mosteiro de Nossa Senhora de
Ronceray, em Anju, em 1116 recebeu uma dotação do conde de Anju para alimentar
e educar 13 crianças pobres do seu condado e do de Maine.
Por fim, foi com a chegada de uma
mulher, Clotilde, que a França pode abraçar a religião católica. Clóvis, rei
dos Francos Sálicos, conquistou uma boa parte do Norte da Gália. Com Clotilde,
a presença da mulher torna-se evidente e a sua influência uma certeza. Todos os
historiadores salientam o papel fundamental que teve, conseguindo que o esposo
pagão se convertesse a fé cristã. O batismo de Clóvis está registrado no topo
da catedral de Reims. Ora, foi uma mulher que a conseguiu. Decisão essencial na
medida em que o conjunto do povo, sobre o qual Clóvis através de sucessivas
vitórias, vai pouco a pouco exercer uma supremacia, é cristão. O poder Laico, o
do imperador romano, força militar ou administração civil, deslocou-se e
desmoronou-se no decurso deste século V, somente a organização religiosa, a que
de uma cidade a outra liga entre si os bispos da Gália, substituiu, evitando ao
país soçobrar. Fazendo-se cristão, Clóvis obteve o apoio dos bispos.
Mariana Costa da Silva