Outro dia ouvi de um professor de história que o martírio era uma espécie de suicídio. Obviamente, tratava-se dum professor que adotava o "materialismo-histórico", em cuja metafísica cristã não há nenhum sentido. Optei por não discutir. Não convém tratar com alguém assunto que não lhe faz sentido. Fui a minha casa, feliz por não ter discutido, embora ciente de que havia perguntas sem respostas, ou que pelo menos meu entendimento sobre o martírio e sobre o suicídio não estava claro. Lá chegando, abro o jornal e, na primeira página, dentre outras, a notícia: "Promotor de Justiça se atira do prédio da repartição". Aquilo me entristeceu profundamente. Um homem bem sucedido e bem relacionado ceifava a própria vida. Por que, meu Deus? A troco de quê?
Foi então que lembrei da questão do martírio e do suicídio, citada pelo professor de história. Poderia o ato do Promotor de Justiça ser confundido com martírio? Óbvio que não. Mas o que me intrigava não era isso. O que me perturbava era justamente alguém confundir essas duas coisas. Foi então que pensei nos primeiros cristãos, nos santos mártires da Igreja. E de repente a questão ficou mais clara: era o Cristianismo que enxergava tanta diferença nessas duas atitudes (algumas religiões abordam os dois temas, mas sempre com alguma confusão). O desafio agora era saber por que somente o Cristianismo tinha valores tão diversos para os dois. Por que, para a Igreja Católica, o martírio era tão diferente do suicídio, assim como o paraíso é diferente do inferno? Por que os mártires tornavam-se santos e ganhavam o céu e tinham catedrais em sua homenagem, enquanto os suicidas eram desprezados e esquecidos?
A resposta é que o mártir dá a vida por amor a tudo e a todos. É por amor a Deus e pela existência que se sacrifica o mártir. E o martírio consiste na humildade de um cordeiro e na coragem de um leão. Ele morre para que tudo o mais tenha vida, e vida em abundância. Ele não encara a morte com prazer, mas com um profundo senso de dever moral. Prefere morrer a negar a Deus; prefere ser entregue aos leões a negar seu Salvador...fiquei aliviado sobre essa questão. Rezei por todos os santos mártires e pedi sua interseção por mim, pecador. Mas o suicídio ainda me intrigava...Ora, se um assassino é aquele que matou alguém, por que a Igreja é bem mais amena com o assassino do que com o suicida? Afinal, suicidar-se também é matar alguém. E se ao assassino que morreu é concedida alguma honra fúnebre (sepultura eclesiástica, Missa Solene), por que ao suicida não?
Novamente me assusto com a sabedoria da Igreja. É que o assassino, ao matar, ainda assim deseja algo, mesmo que mórbido. Digo, o assassino peca pra conseguir algo. Ele faz o mal, almejando algum benefício próprio (ou que lhe pareça benefício). O suicida, por sua vez, deseja o nada. O suicida faz o mal, desejando o mal. Ele tira a própria vida, querendo que tudo morra; que a existência morra; que a humanidade morra; que Deus morra. Daí a grande diferença observada pela Santa Igreja entre o martírio e o suicídio. O primeiro ocorre por amor a tudo o que há, o segundo ocorre por ódio a tudo o que há.
Essa diferença, enganosamente sútil, é impossível de ser percebida pelo pensamento desnutrido do modernista. Apenas uma sã filosofia e uma sã metafísica seriam capazes de compreendê-la. Não é por acaso que somente a Doutrina Cristã foi capaz de exaurir essa questão. Afinal, não há nada mais saudável que o Cristianismo...enfim, eu estava satisfeito. Já estava cansado de pensar em tanto sangue. Foi quando lembrei do pobre professor de história e de todos os pobres materialistas. Sem fé em Deus e sem esperança no porvir. Nada além da matéria e de um estranho sentimento de superioridade racionalista. Receio que isso os torne suicidas em potencial. Deus queira que não.
Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós.
Bruno Silveira.