No Dia Internacional da Mulher, 8
de março (2017), o Partido
Socialismo e Liberdade (PSol) ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442) solicitando que os artigos
124 e 126 do Código Penal, que incriminam o aborto, sejam “reinterpretados”
conforme a Constituição, a fim de que não seja considerado crime o aborto
praticado até três meses de gestação. Os argumentos revelam a pouca
originalidade dos abortistas.
Segundo eles, a proibição do
aborto feriria a “dignidade da pessoa humana” (da pessoa que já nasceu) e o
direito “das mulheres” à vida, à liberdade, à saúde, à integridade física e
psicológica, blá-blá-blá e até à igualdade de direitos com o homem, apelidada
de igualdade de gênero. Esquartejar a criança por nascer com lâminas afiadas
(aborto por curetagem) ou aspirá-la em pedacinhos (aborto por aspiração) não violaria
a proibição constitucional da tortura. Mas impedir que a mulher aborte durante
o primeiro trimestre seria causar nela um mal-estar qualificável como tortura
(!), o que é vedado pela Constituição.
Revoltante em tudo isso não é
apenas a hediondez do aborto, o mais covarde dos assassinatos, mas também o
infame meio empregado para a sua descriminalização. Sem conseguir êxito no
Parlamento, onde os representantes do povo brasileiro repetidas vezes
rechaçaram e sepultaram os projetos de lei abortistas, o caminho agora —
chamado certa vez por Ellen Gracie de “atalho fácil”[1]— é o Supremo
Tribunal Federal. Seus 11 ministros são chamados a interpretar, reinterpretar e
“desinterpretar” a Carta Magna de modo a encontrar algum pretexto que favoreça
a tese abortista.
Isso é golpe, no sentido mais
forte da palavra. Um golpe no Estado de direito, um golpe na harmonia e na
separação dos Poderes, um golpe na representatividade dos cidadãos. Os juízes
do STF que acolherem a hedionda tese afrontarão o povo brasileiro, que, na sua
quase totalidade, é contrário ao aborto. Um desses ministros chegou a declarar
que “não deve satisfação a ninguém”[2]. O que talvez
possa ser assim entendido: “Não devo satisfação aos cidadãos, nem à minha
consciência, faço o que quero”.
Tentar legalizar o crime via STF
é usar o mesmo ardil utilizado em 1973 nos Estados Unidos, no caso Roe versus
Wade, em que a demandante Jane Roe, alegando falsamente ter sido vítima de
estupro, sob a orientação de advogados sem noção de ética, conseguiu que a Suprema
Corte declarasse inconstitucional todas as leis dos 50 estados da Federação que
proibiam o aborto nos dois primeiros trimestres. De um só golpe, por sete votos
a dois, a legalização do aborto até o sexto mês foi imposta a todo o país. Como
argumento, usou-se, por um lado, o direito da gestante à “privacidade”, por
outro, a negação de que o nascituro seja uma pessoa. Até hoje os Estados Unidos
gemem sob a ditadura de um tribunal iníquo.
Algo semelhante parece estar para
acontecer no Brasil. O ministro Barroso, que se notabilizou por sua habilidade
sofística quando, como advogado, pleiteava a liberação do aborto de anencéfalos
(ADPF 54), já se posicionou em 2016, no HC 124.306-RJ, em defesa do aborto no
primeiro trimestre por simples solicitação da gestante. Segundo ele, a
Constituição protege a vida do nascituro (por ele chamado feto), mas tal
proteção é ínfima no início da gestação e só vai crescendo à medida que a
criança atinge “viabilidade extrauterina”. A vida do bebê nas primeiras semanas
é, para Barroso, tão desprezível que ele considera absurdo proibir a mãe de
matá-lo. Na ocasião, esse esdrúxulo entendimento foi acompanhado pela ministra
Rosa Weber, hoje relatora da ADPF 442.
Louve-se a atitude das
autoridades[3], que,
intimadas a se manifestarem, posicionaram-se contra o aborto e consideraram a
Suprema Corte incompetente para alterar a legislação brasileira. Há fundado
temor de que a ministra Rosa julgue procedente o pedido de descriminalizar o
aborto via STF. Se isso acontecer, espero que ela jamais diga que defende o
aborto “em nome das mulheres”. Pois, com exceção de Dilma Rousseff, que
pertence ao triste passado político desta nação, nenhuma outra mulher escolheu
Rosa Weber para ocupar o STF, muito menos para legislar no lugar do
Legislativo. Menos ainda para criar o direito de assassinar crianças no útero
materno, sob o mais falacioso dos argumentos: proteger a dignidade da mulher.
Maria José Miranda Pereira.
Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Artigo publicado no Correio Braziliense, 19 maio 2018, p. 11. As notas de rodapé foram acrescentadas pelo Pe. Luiz C. Lodi.
[1] “Não há o Supremo Tribunal Federal de servir como ‘atalho fácil’ para a obtenção de resultado” (Ellen GRACIE. Voto em questão de ordem na ADPF 54, 27 abr. 2005, p. 16)
Maria José Miranda Pereira.
Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Artigo publicado no Correio Braziliense, 19 maio 2018, p. 11. As notas de rodapé foram acrescentadas pelo Pe. Luiz C. Lodi.
[1]
[2] “Não devemos satisfação, depois da investidura, a absolutamente mais ninguém” (Luiz FUX, no 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário, 5 dez. 2016).
[3] Entre elas o presidente Michel Temer, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.