I – POR QUEM OS SINOS DOBRAM
A igreja em saída se fechou.
As portas foram cerradas. Os sinos, até os sinos silenciaram. Falo também o que
testemunho. Não sei se todos os sinos, em todas as paróquias, emudeceram, mas o
da igreja das Graças, no bairro das Graças, no Recife, onde moro, não repica
mais. Esse fato foi um dos que mais me chamou a atenção, tendo em vista o poder
espiritual do sino, que hoje é negado pelo sacerdote daquela paróquia. Segue um
trecho da bênção do sino:
Derramai, Senhor, sobre esta água a bênção
celeste e fazei descer sobre ela a virtude do Espírito Santo, para que, tendo
sido rociado com ela este vaso, destinado a convocar os filhos da Santa Igreja,
dos lugares onde ressoar este sino, se afaste para longe a virtude das ciladas
dos inimigos, a sombra dos fantasmas, a violência dos turbilhões, os golpes dos
raios, os estragos das trovoadas, os desastres das tempestades e todos os
espíritos das procelas[1]
Os sinos já não dobram mais,
os filhos da Santa Igreja não são mais convocados, estão confinados; nada mais
se espera dos céus, a não ser um novo decreto da autoridade pública, a dizer o
que se deve ou não fazer, com o total beneplácito dos bispos. Detalhe, essa
autoridade pública só não pode ser o atual presidente em exercício no país, que
em um ato de insanidade completa declarou a religião como serviço essencial[2].
Ah, mas eu lembrava uma tal
entrevista imaginária de Nelson Rodrigues com D. Hélder, aquele mesmo arcebispo
vermelho que tem agora o seu processo de beatificação acelerado em Roma[3]. Talvez vocês entendam a
posição da CNBB ao ler aquela entrevista.[4] Eles aprenderam tudo
nessas teologias liberais e libertárias.
Nelson Rodrigues era
assertivo: D. Hélder só olha para o céu para saber se leva ou não guarda-chuva.
Hoje os padres só abrem as igrejas se não tiver coronavírus. E, pasmem, é um
ato de caridade não ter missas. Se essa frase fosse dita em janeiro de 2020
seria uma insanidade; mas na data que ora escrevo é capaz de até
tradicionalistas se emocionarem com esse mais novo truísmo.
Pessoas da família, amigos,
conhecidos e desconhecidos, passaram a mandar o horário da missa pelas redes
sociais. Os padres, não todos, nunca todos, convocando os fiéis à celebração pelo
YouTube. Não se preocupem. É só abrir o PC, a TV ou até mesmo o celular,
caso a transmissão esteja ruim, e participem da missa. Como bem dito em uma
piada espirituosa que circula nas redes: antes os padres celebravam voltados
para Deus, antes do Concílio Vaticano II; depois passaram a fazer o culto
voltados para os homens e hoje culmina, vejam lá que conquista, voltados para
uma filmadora qualquer. A missa está esvaziada, não há comunhões, não há mais
aquilo que muitos morreram para ter. Se Deus quiser o governador vai se
compadecer de nós...
E não pararam de debochar.
Vídeos de padres mandando as pessoas lavar as mãos, falando naquele tom como se
todo mundo fosse criança. Filmagens animadoras com frases do tipo e aqui
reproduzo ipis litteris a retórica típica de um Leão de Munster, do alto
de sua tribuna, digo, da LIVE que ouvi de um padre para tranquilizar os
fiéis nessa época de coronavírus: “Hoje é o dia mais importante da tua vida,
o sol nasceu e amanhã tornará a aparecer”.
II – A FÉ E A RAZÃO
Um dos argumentos que se
levantou – pelo Pe. Paulo Ricardo[5], por exemplo - no início
da crise da epidemia, é que deveríamos lançar mão da fé e da razão para
evitarmos as aglomerações provocadas pelo culto público. Aparentemente um
argumento muito bom, mas quais as razões que sustentam essa razoabilidade? De
que meio científico tiraram essas conclusões? Dos cientistas da OMS? Da mesma
OMS que mandou prosseguir com os abortos na época da epidemia?[6]
Apenas uma pequena digressão.
No momento em que escrevo este artigo, no mundo, até o momento, segundo o site Worldometer,
foram realizados mais de 11[7] milhões de abortos; até
hoje, no mundo todo, a epidemia do coronavírus fez pouco mais de 95[8] mil mortes. Epidemias vão
e vem e a hipocrisia permanece a mesma... O Reino Unido, na ânsia de prosseguir
com a indústria da morte, garante agora aborto at home[9].
Vidas importam.
Ide, pois, à razão! Estudos
científicos dizem tanta coisa. Em quem acreditar? Dr. John Ioannidis,
especialista em epidemiologia, professor da Universidade de Stanford, diz que
não existem dados confiáveis sobre a não proliferação do vírus em virtude de
uma quarentena radical e que as consequências de um lockdown são
desconhecidas. [10]
Um médico brasileiro, Dr. Wong, critica a quarentena dura[11]. Embora haja tantos
outros que andam nesse mesmo entendimento, vamos citar apenas os dois para não
alongar demais. Portanto, é de se perguntar: os cientistas citados são
fideístas?
Além do mais, um dos motivos
de proibir o culto público é que o vírus se propagaria através de objetos. No
entanto, faltaram combinar essa informação com um virologista alemão, na matéria do R7: “Hendrik Streeck,
coordenador de um grupo de estudos sobre a covid-19 no país, afirmou nesta
semana que a transmissão do novo coronavírus não ocorre ao se tocar objetos
infectados.”[12] A
maçaneta da casa virou um lugar perigosíssimo...
Depois de tudo
isso em qual razão acreditar? Da OMS que manda fechar tudo e que já quer
invadir as casas[13]
para tratar os infectados com dignidade ou de demais especialistas que não
andam muito no mesmo tom que aquela organização?
Para engrossar o
caldo, um gaulês disse em alto e bom tom que tinha descoberto a cura do vírus[14]. Mas o
vírus prossegue e vem causando estragos, taxas preocupantes de letalidade. A
OMS desconfiada com o tratamento do francês não deu pelota, o coitado até de
morte foi ameaçado.[15] O vírus
já tinha feito muito estrago, mas tinha médico, que na alcova, já estava se
enchendo de hidroxicloroquina, o tratamento usado pelo gaulês, para evitar
maiores males, ora ninguém é besta.
O ápice da cura
foi quando o coordenador do centro de contingência contra o COVID 19 de São
Paulo, David Uip, empregado do governador Dória, silenciava sobre o tratamento
com o medicamento do francês, mas usava na surdina[16]. O governador de SP que não
falava no remédio, passou a dizer que foi ele quem inventou a roda. Isso
porque, inicialmente, desde março, quem bradava sobre a cloroquina era o doido
do presidente, que queria brincar de roleta russa com a vida das pessoas.16
Camus dizia uma frase interessante: Epidemia se combate com honestidade. Quem
tiver ouvidos para ouvir, ouça.
Mas isso é política, voltemos
à Igreja.
II – LEONARDO SINCERO
O coronavírus chegou e encontrou a cátedra
de Pedro com o novo Francisco, o papa Francisco. Rejubilam os boffs da vida. E ele, o
Genézio Boff, disse em entrevista, em um ímpeto de sinceridade comovente, tal qual a
entrevista imaginária de Nelson Rodrigues: “Francisco é
um dos nossos. Ele transformou a teologia
da libertação num bem comum da
igreja. E ele a ampliou.” [17]
Vale muito o
leitor conhecer o pensamento profundo desse amigo do papa. Em Buenos Aires,
esse luminar do humanismo integral, incensado pelas esquerdas abraâmicas, disse
em alto e bom tom, mais uma vez sincero: a espécie humana está condenada a
fazer o que faz porque é um parasita da terra [...]. [18]
É isso mesmo que o senhor ouviu. O
amigo do papa nos chama de parasitas. Isso porque não é fácil achar por aí
gente que se abraça em árvores e conversa amigavelmente com elas. Se você
produz, trabalha e explora a terra, você é sim um parasita e claro, parasita
tem que ser pisado.
Quando a gente pensava que o papa ia
se erguer indômito contra a crise do corona, em um caminho semelhante ao de
Boff, ele emendou que a pandemia pode ser resposta da NATUREZA às mudanças
climáticas[19].
Do outro lado do mundo Boff faltou dizer: Eu falei que esses parasitas (os
humanos) iam nos levar a um vírus mortífero. É assustador como tudo se articula
bem.
III – CASA DOS
FRIOS
Ontem fui
à Casa dos Frios, uma espécie de empório gourmet do Recife. Tinha tanta gente
lá de quarentena que nem mesmo consegui estacionar o carro na frente da loja.
Do outro lado da rua o palácio frio. Uma construção neoclássica de portões
fechados. No palácio que é a cúria da Arquidiocese de Olinda e Recife. Vazio.
Fechado. Tive uma sensação de abandono, que o nosso pai espiritual nos deixou
no meio da procela.
É de estranhar. Os bispos estavam na
cantilena constante das missas participativas, das missas festivas, da ceia
pascal. Como agora está essa ceia que tem que ter a participação do povo? Logo o
nosso arcebispo que sempre foi sensível às causas populares, ele que sempre marchou
no Grito dos Excluídos, ao lado de petistas, sem terras, LGBT´s e tantos
seguimentos. Pensei que o palácio ao menos fosse virar hospital de campanha,
mas estava frio, não menos frio do que a casa dos frios.
Mas vamos lá, a coisa não para por
aí. Os bispos, muitas vezes se antecipando aos decretos cesaristas, correram e
trancaram tudo. Teve gente que não gostou e mandou a real: OS BISPOS NOS
ABANDONARAM! [20]
Esse sentimento de vazio ficou marcado
durante essa crise. E não venha dizer que amenizamos a periculosidade do vírus.
Ninguém é louco de brincar de roleta russa com vida das pessoas, para usar uma
expressão do bondoso João Dória. Trago aqui o escólio de um cardeal da Igreja,
Edmund Burke, que vai na contramão da campanha #FiqueEmCasa movida pelo
Pe. Paulo Ricardo. Diz o prelado:
Em nossa cultura totalmente
secularizada, há uma tendência de ver a oração, devoção e o culto, como uma
outra atividade qualquer, por exemplo, como ir ao cinema ou como um jogo de
futebol, esses últimos não são essenciais e, portanto, podem ser cancelados por
uma questão de precauções para conter a disseminação de um terrível contágio.
Mas a oração, as devoções E O CULTO, acima de tudo, a Confissão e a Santa
Missa, são essenciais para permanecermos saudáveis e fortes espiritualmente, e
para procurarmos a ajuda de Deus em um tempo de grande perigo para todos. Portanto,
não podemos simplesmente aceitar as determinações de governos seculares, que
tratam a adoração de Deus da mesma maneira que ir a um restaurante ou a uma
competição atlética. Caso contrário, as pessoas que já sofrem tanto com os
resultados da peste são privadas daqueles encontros objetivos com Deus que está
em nosso meio para restaurar a saúde e a paz. NÓS, BISPOS E SACERDOTES,
PRECISAMOS EXPLICAR PUBLICAMENTE A NECESSIDADE DOS CATÓLICOS DE ORAR E ADORAR
EM SUAS IGREJAS E CAPELAS, E DE IR EM PROCISSÃO PELAS RUAS E CAMINHOS, PEDINDO
A BÊNÇÃO DE DEUS SOBRE SEU POVO QUE SOFRE TÃO INTENSAMENTE. Devemos insistir
para que os regulamentos do Estado (também para o bem do Estado) reconheçam a
importância distinta dos lugares de culto, especialmente em tempo de crise
nacional e internacional. NO PASSADO, DE FATO, OS GOVERNOS COMPREENDERAM, ACIMA
DE TUDO, A IMPORTÂNCIA DA FÉ, DA ORAÇÃO E DO CULTO DO POVO PARA SUPERAR UMA
EPIDEMIA.
Mas não há culto do povo. Não há
procissão. Nada. O bispo que é visto como conservador quer o culto do povo; os
bispos que gostam da cor vermelha fogem do povo com medo do coronavírus. Como
dizia Karl Marx: a história se repete como farsa.
É justo, como católico, pensarmos
que a epidemia do coronavírus se alastra tanto quanto se fechem as portas das
Igrejas. Em que medida os padres e os bispos são culpados por isso? Só Deus sabe.
Os combatentes não estão sendo convidados para a batalha, como lembra a bênção
do sino. Quantas vezes a Igreja não enfrentou pestes com o estandarte em punho?
Quantos santos não foram para a frente de batalha, com fé e a marca de Nossa
Senhora e saíram ilesos, e venceram a peste?[21] Talvez
tenham feito isso, não é Pe. Paulo Ricardo, porque desconheciam os manuais dos
epidemiologistas...[22] Era
mesmo uma época de ignorância.
Os parasitas estão morrendo e
se satisfazem com as missas pelo streaming. Mas como diz D. Viganò: Permitam-me lembrar às
pessoas que assistir à missa na internet ou na televisão não cumpre o preceito
de ir à missa de domingo. Pode ser uma boa maneira de santificar o Dia do
Senhor, quando é absolutamente impossível ir à igreja; mas devemos sempre
lembrar que viver os sacramentos não pode ser substituído pela virtualização
dos sacramentos. Em um nível mais banal, não podemos alimentar nosso corpo
olhando a fotografia de um pedaço de pão.[23]
E é assim que estamos, isso quando
conseguimos assistir às celebrações. Se essa época não for assustadora, o que
mais virá?
Esse sentimento de abandono foi
captado muito bem por Roberto de Mattei, nesta Páscoa que marcará a história,
neste momento de trevas: é a hora do vazio, do redil desprovido dos seus
pastores.[24]
Creio que não há mais nada a se
falar. No pós concílio foram tantos abusos, tantas blasfêmias diante do altar,
tantos absurdos inimagináveis, que o culto público cessou. Parece a coroação de
um caminho em que a fé foi duramente espezinhada.
Para terminar, deixo um verso de
esperança, escrito por André Melo, do site Flos Carmeli Estudos[25], que
sintetizou na linguagem poética o que esperamos. Que Nossa Senhora nos guarde a todos nós
neste momento de aflição:
Só Deus é quem sabe se vamos morrer.
De febre, de queda ou do coração.
Então seja sábio e sem aflição.
Pratique a virtude pra nela viver.
Lembre d’a Maria sempre recorrer.
Seu manto encobre quem nEla confia.
Vencendo o diabo e a pandemia.
Quem lhe é consagrado não teme a doença.
Recita o rosário, se alegra na crença.
Da peste livrai-nos, oh Virgem Maria!
Antônio Filho, na sexta-feira santa de 2020,
Recife-PE.
[17]
http://www.ihu.unisinos.br/eventos/563682-leonardo-boff-em-entrevista-o-papa-francisco-e-um-dos-nossos
[18]
SANAHUJA, Juan Claudio. O PODER GLOBAL E RELIGIÃO UNIVERSSAL. Ed.
Eclesiae. 1º edição, maio de 2012. P. 83. Campinas-SP.
[21] http://floscarmeliestudos.com.br/dom-bosco-e-a-terrivel-peste-de-colera-em-turim/
[22]
Argumento utilizado pelo Pe. Paulo Ricardo no vídeo dele já citado neste
artigo.
[23] http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/viganocovid19/index.php