05 maio, 2020

A MÚSICA CELESTIAL


Para Santo Tomás de Aquino, a Corte Celestial é composta de nove círculos angelicais, agrupados em três coros, cada qual com três hierarquias. Segundo a importância de cada classe, referida na proximidade de Deus, o primeiro coro é formado por serafins, querubins e tronos. O segundo por dominações, virtudes e potestades. O terceiro por principados, arcanjos e anjos. O estabelecimento das hierarquias é necessário à ordem, senão haveria a multidão de anjos desgovernada (Suma Teológica, I, questão 108, artigos 5º e 6º).
                                                                 
Na Comédia, Paraíso,  canto XXVIII, Dante Alighieri reporta que Beatriz se refere às nove hierarquias   angélicas, que se movem em círculos concêntricos em torno de um ponto luminosíssimo que é Deus.  Dante ouve de Beatriz os motivos por que aqui tanto mais crescem o movimento e a luz quanto mais perto do Centro, o contrário dando-se em relação à Terra:
                                                                  
“De coro em coro celebrar se ouvia de Deus a  glória, que os conserva ardentes nesse lugar de amor e alegria.” (verso 93)
                                                                  
“mais profunda  é a satisfação quanto mais vêem na essência do Uno e do Trino. Daí se deduzir que da visão e não do amor, que dela é consequência, os anjos têm sua plena exultação.” (verso 106/110)
                                                                  
“São para o Centro as ordens arrastadas  e atraídas de baixo para cima, vencem e são em Deus glorificadas.” (verso 126)

 (Divina Comédia, tradução de João Trentino Ziller, Ateliê Editorial, pág. 484)
                                                            
    
Ensina Orlando Fedeli  ser a música celeste a sinfonia de glória a Deus. É o produto  da ordem sábia e proporcionada com que os anjos se hierarquizam; o amor de Deus é o elemento unificador de tantas desigualdades proporcionadas. Em toda a natureza se encontra a harmonia de elementos diversificados na unidade (Música e Beleza, 1ª edição, 2012, livro digital gratuito, site baixe livros).
                                                                   
Neste exílio, nossa pálida razão nos esconde o infinito, o absurdo se transfigura em nostalgia do céu, como escreveu Gustavo Corção,  ao citar Rimbaud ( O Desconcerto do Mundo, págs. 61 e 71, Agir, Rio, 1965). Assim, como podemos aspirar a ouvir a música celestial?
                                                                  
Voltando a Orlando Fedeli, sabemos que a música sonora é a expressão da beleza através dos sons. A proporção causa a beleza sonora, na medida em que harmonize a unidade e a variedade, a estabilidade e o movimento, o par e o ímpar, o grave e o agudo etc. O homem deve procurar as razões da beleza, a fim de que chegue ao Criador, Beleza Infinita (op. cit.).
                                                                 
Desse modo, nossa alma só consegue entrever a beleza da sinfonia celeste.
                                                                 
No entanto, houve quem ousasse tentar reproduzi-la. O compositor  Arrigo Boito é o autor da música e do libreto da ópera  Mefistofele (inimigo da luz), baseada no poema Fausto  de Johann Wolfgang von Goethe, sobre a lenda medieval  do Doutor Fausto,  que vendera a alma ao diabo, em troca de juventude e sabedoria. A peça é composta de prólogo, quatro atos e epílogo.
                                                                 
O prólogo transcorre no céu, onde três coros, formados pelas nove hierarquias angélicas, cantam hinos de glória ao Senhor, causando emoção sublime que termina em êxtase (mefistofele, wikipedia).
                                                                 
Há diversas versões do prólogo da ópera no youtube. Melhor assistir à ópera inteira , se houver um dvd disponível. É conferir! Mesmo porque, em tempo de pandemia, também é possível voltar a atenção para a beleza universal.

São Paulo, 05 de maio de 2020.

Paulo Eduardo Razuk, Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo