Para Santo Tomás de Aquino, a Corte Celestial é composta de nove
círculos angelicais, agrupados em três coros, cada qual com três hierarquias.
Segundo a importância de cada classe, referida na proximidade de Deus, o
primeiro coro é formado por serafins, querubins e tronos. O segundo por
dominações, virtudes e potestades. O terceiro por principados, arcanjos e anjos.
O estabelecimento das hierarquias é necessário à ordem, senão haveria a
multidão de anjos desgovernada (Suma
Teológica, I, questão 108, artigos 5º e 6º).
Na Comédia, Paraíso, canto XXVIII, Dante Alighieri reporta que
Beatriz se refere às nove hierarquias angélicas, que se movem em círculos
concêntricos em torno de um ponto luminosíssimo que é Deus. Dante ouve de Beatriz os motivos por que aqui
tanto mais crescem o movimento e a luz quanto mais perto do Centro, o contrário
dando-se em relação à Terra:
“De coro em coro celebrar se ouvia de Deus a glória, que os conserva ardentes nesse lugar
de amor e alegria.” (verso 93)
“mais profunda é a satisfação quanto mais vêem na essência
do Uno e do Trino. Daí se deduzir que da visão e não do amor, que dela é
consequência, os anjos têm sua plena exultação.” (verso 106/110)
“São para o Centro as ordens arrastadas e atraídas de baixo para cima, vencem e são em
Deus glorificadas.” (verso 126)
(Divina Comédia, tradução de João Trentino Ziller, Ateliê Editorial,
pág. 484)
Ensina Orlando Fedeli ser a música celeste a sinfonia de glória a
Deus. É o produto da ordem sábia e
proporcionada com que os anjos se hierarquizam; o amor de Deus é o elemento unificador
de tantas desigualdades proporcionadas. Em toda a natureza se encontra a
harmonia de elementos diversificados na unidade (Música e Beleza, 1ª edição, 2012, livro digital gratuito, site baixe
livros).
Neste exílio, nossa
pálida razão nos esconde o infinito, o absurdo se transfigura em nostalgia do
céu, como escreveu Gustavo Corção, ao citar Rimbaud ( O Desconcerto do Mundo, págs. 61 e 71, Agir, Rio, 1965). Assim,
como podemos aspirar a ouvir a música celestial?
Voltando a Orlando Fedeli,
sabemos que a música sonora é a expressão da beleza através dos sons. A
proporção causa a beleza sonora, na medida em que harmonize a unidade e a
variedade, a estabilidade e o movimento, o par e o ímpar, o grave e o agudo
etc. O homem deve procurar as razões da beleza, a fim de que chegue ao Criador,
Beleza Infinita (op. cit.).
Desse modo, nossa alma só
consegue entrever a beleza da sinfonia celeste.
No entanto, houve quem ousasse tentar reproduzi-la. O compositor Arrigo
Boito é o autor da música e do libreto
da ópera Mefistofele
(inimigo da luz), baseada no poema Fausto de Johann
Wolfgang von Goethe, sobre a lenda medieval
do Doutor Fausto, que vendera a
alma ao diabo, em troca de juventude e sabedoria. A peça é composta de prólogo,
quatro atos e epílogo.
O prólogo transcorre no céu, onde três coros, formados pelas nove
hierarquias angélicas, cantam hinos de glória ao Senhor, causando emoção
sublime que termina em êxtase (mefistofele,
wikipedia).
Há diversas versões do prólogo da ópera no youtube. Melhor assistir à ópera inteira , se houver um dvd
disponível. É conferir! Mesmo porque, em tempo de pandemia, também é possível
voltar a atenção para a beleza universal.
Paulo Eduardo Razuk, Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São
Paulo