02 julho, 2020

A QUEDA DA BASTILHA

                                             Paulo Eduardo Razuk

I

Em 14 de julho de 1789, houve a queda da Bastilha, data que se tornou feriado nacional da República Francesa, a partir da Revolução. O que de fato houve? O que se comemora?

Na idade média, a Paris antiga era cercada por uma muralha, em que havia vários portões de acesso à cidade. A Bastilha era uma fortaleza, junto ao portão de Santo Antônio, construída durante a Guerra dos Cem Anos, entre 1370 e 1383, por Carlos V de França. Funcionou como prisão a partir do reinado de Luís XIII, do século XVII ao XVIII.

A Bastilha servira como terrível prisão ao tempo de Luís XIV, no século XVII. Por lá haviam passado o misterioso Máscara de Ferro, o turbulento Bassonpierre, Voltaire, Mirabeau e o degenerado Marquês de Sade, entre outros. No século XVIII, no reinado de Luís XVI, era um depósito de armas e munições do exército francês, mais que prisão. Desde 1784, as famosas lettres de cachet du roi haviam sido abolidas.


Em 14 de julho de 1789, deu-se a tomada da Bastilha por forças revolucionárias, vindo o prédio a ser demolido em novembro do mesmo ano, com o que se perdeu, de maneira irracional, um monumento histórico.

Uma construção da mesma época, em igual estilo, também erigida como fortaleza e depois transformada em prisão, é o Chateau de Vincennes, situado no parque do mesmo nome, em Paris, que abriga um museu, aberto à visitação pública.

II

Na data referida, o agitador Camille Desmoulins espalhara o boato de que tropas reais estavam para reprimir o povo de Paris, insuflando os populares a armar-se para resistir.
Primeiro, a multidão dirigiu-se ao Asilo dos Inválidos, quartel de soldados reformados,  de onde saqueou os mosquetes que guarneciam o arsenal lá existente.

Em seguida, à busca de pólvora, foi à Bastilha, outrora famosa prisão dos inimigos da coroa. A fortaleza era bem suprida de armamento, com alguns canhões, e defendida por uma guarda de cinco oficiais, 32 soldados do regimento suíço a serviço real e 82 soldados inválidos para a campanha. Na prisão estavam guardados sete prisioneiros por crimes comuns, à disposição da justiça. Há muito não havia preso político algum.

Os revoltosos tentaram invadi-la, tendo sido repelidos após intensa fuzilaria, de parte a parte, de que resultaram muitos mortos e feridos dentre os atacantes, visto que a guarnição era protegida por altas muralhas,  consideradas intransponíveis.

Na sequência, lá chegaram dois regimentos da guarda francesa, comandados por dois sargentos, que haviam desertado de suas casernas. Após negociação, ficou acertada a capitulação da fortaleza, com a garantia de vida para a guarnição que tinha a obrigação de defendê-la.

No entanto, abaixada a ponte levadiça, o local foi invadido pela multidão, uma vez que os guardas franceses haviam perdido o controle da situação. Os suíços conseguiram escapar, pois haviam trocado os seus uniformes por roupas comuns, para parecerem presos libertos,  mas os inválidos não tiveram a mesma sorte, tendo sido trucidados três oficiais e alguns soldados. Para os assaltantes, restaram 98 mortos e 73 feridos graves.

O comandante da praça, o Marquês de Launay,  foi arrebatado da escolta que o conduzia ao Hotel de Ville, tendo sido despedaçado pelos populares, com a sua cabeça espetada em uma lança, em macabro espetáculo.

III

Enfim, a Bastilha já não era a temível prisão do tempo de Luís XIV, não guardando mais presos políticos. Se era para libertá-los, chegou-se com um século de atraso. O poder arbitrário do rei de expedir ordens de prisão havia sido abolido. Lá estavam somente poucos presos comuns. A multidão, instigada por agitadores , não pretendia derrubar o regime, mas tomar armas para repelir um ataque inexistente. A guarda francesa não honrou o compromisso de assegurar a vida dos soldados da guarnição que defendia a praça. Na ética militar, é uma infâmia atentar contra os que se rendem.

Nessa esteira maligna, viria o reino da guilhotina, o regicídio, o período do Terror com milhares de mortos e a guerra com os países vizinhos, só cessando a matança quando a Revolução devorou os próprios filhos.

Essa carnificina, provocada pelos piores instintos  da espécie humana, merece ser comemorada com um feriado nacional? Que embuste!

Fontes:

M. Pio Corrêa Jr.,  Primórdios da Revolução Francesa, Fundação Getúlio Vargas, Rio, 1985.
Guia Michelin de Paris, 2ª edição, 1993.
pt. wikipedia .org/wiki/Bastilha