Paulo Eduardo Razuk
I
Em 14 de julho de 1789, houve a
queda da Bastilha, data que se tornou feriado nacional da República Francesa, a
partir da Revolução. O que de fato houve? O que se comemora?
Na idade média, a Paris antiga
era cercada por uma muralha, em que havia vários portões de acesso à cidade. A
Bastilha era uma fortaleza, junto ao portão de Santo Antônio, construída
durante a Guerra dos Cem Anos, entre 1370 e 1383, por Carlos V de França.
Funcionou como prisão a partir do reinado de Luís XIII, do século XVII ao
XVIII.
A Bastilha servira como terrível
prisão ao tempo de Luís XIV, no século XVII. Por lá haviam passado o misterioso
Máscara de Ferro, o turbulento Bassonpierre, Voltaire, Mirabeau e o degenerado
Marquês de Sade, entre outros. No século XVIII, no reinado de Luís XVI, era um
depósito de armas e munições do exército francês, mais que prisão. Desde 1784,
as famosas lettres de cachet du roi haviam
sido abolidas.
Em 14 de julho de 1789, deu-se a
tomada da Bastilha por forças revolucionárias, vindo o prédio a ser demolido em
novembro do mesmo ano, com o que se perdeu, de maneira irracional, um monumento
histórico.
Uma construção da mesma época, em
igual estilo, também erigida como fortaleza e depois transformada em prisão, é
o Chateau de Vincennes, situado no
parque do mesmo nome, em Paris, que abriga um museu, aberto à visitação
pública.
II
Na data referida, o agitador
Camille Desmoulins espalhara o boato de que tropas reais estavam para reprimir
o povo de Paris, insuflando os populares a armar-se para resistir.
Primeiro, a multidão dirigiu-se
ao Asilo dos Inválidos, quartel de soldados reformados, de onde saqueou os mosquetes que guarneciam o
arsenal lá existente.
Em seguida, à busca de pólvora,
foi à Bastilha, outrora famosa prisão dos inimigos da coroa. A fortaleza era
bem suprida de armamento, com alguns canhões, e defendida por uma guarda de
cinco oficiais, 32 soldados do regimento suíço a serviço real e 82 soldados
inválidos para a campanha. Na prisão estavam guardados sete prisioneiros por
crimes comuns, à disposição da justiça. Há muito não havia preso político
algum.
Os revoltosos tentaram invadi-la,
tendo sido repelidos após intensa fuzilaria, de parte a parte, de que resultaram
muitos mortos e feridos dentre os atacantes, visto que a guarnição era
protegida por altas muralhas, consideradas intransponíveis.
Na sequência, lá chegaram dois
regimentos da guarda francesa, comandados por dois sargentos, que haviam
desertado de suas casernas. Após negociação, ficou acertada a capitulação da
fortaleza, com a garantia de vida para a guarnição que tinha a obrigação de
defendê-la.
No entanto, abaixada a ponte
levadiça, o local foi invadido pela multidão, uma vez que os guardas franceses
haviam perdido o controle da situação. Os suíços conseguiram escapar, pois
haviam trocado os seus uniformes por roupas comuns, para parecerem presos
libertos, mas os inválidos não tiveram a
mesma sorte, tendo sido trucidados três oficiais e alguns soldados. Para os
assaltantes, restaram 98 mortos e 73 feridos graves.
O comandante da praça, o Marquês
de Launay, foi arrebatado da escolta que
o conduzia ao Hotel de Ville, tendo sido despedaçado pelos populares, com a sua
cabeça espetada em uma lança, em macabro espetáculo.
III
Enfim, a Bastilha já não era a
temível prisão do tempo de Luís XIV, não guardando mais presos políticos. Se
era para libertá-los, chegou-se com um século de atraso. O poder arbitrário do
rei de expedir ordens de prisão havia sido abolido. Lá estavam somente poucos
presos comuns. A multidão, instigada por agitadores , não pretendia derrubar o
regime, mas tomar armas para repelir um ataque inexistente. A guarda francesa
não honrou o compromisso de assegurar a vida dos soldados da guarnição que
defendia a praça. Na ética militar, é uma infâmia atentar contra os que se
rendem.
Nessa esteira maligna, viria o
reino da guilhotina, o regicídio, o período do Terror com milhares de mortos e
a guerra com os países vizinhos, só cessando a matança quando a Revolução
devorou os próprios filhos.
Essa carnificina, provocada pelos
piores instintos da espécie humana,
merece ser comemorada com um feriado nacional? Que embuste!
Fontes:
M. Pio Corrêa Jr.,
Primórdios da Revolução Francesa, Fundação Getúlio Vargas, Rio, 1985.
Guia Michelin de Paris, 2ª edição, 1993.
pt. wikipedia .org/wiki/Bastilha