Por Paulo Eduardo Razuk
No século XVII, no Rio de Janeiro, o Campo das Lavadeiras devia seu nome
às muitas bicas d’água que lá havia e por elas eram utilizadas.
O Campo e a Igreja de Santana, em 1817. Gravura de Thomas Enders. Academia de Belas Artes de Viena, domínio público |
Em 1735, os
membros da Irmandade de Santana ali ergueram a sua capela, passando o Campo a
chamar-se de Santana. Essa capela foi demolida para a construção da primeira
estação inicial da Estrada de Ferro Pedro II, hoje Central do Brasil. Em 1870,
a igreja foi reconstruída na Rua das Flores, depois de Santana, onde permanece,
próxima do Campo.
Em 1811, sob D. João VI, o Campo foi escolhido pelo Conde de Linhares, Ministro da Guerra, para o exercício da tropa,
lá tendo sido erguido o Quartel General do Exército, depois demolido para dar
lugar ao Palácio da Guerra, hoje Comando Militar do Leste.
Ainda sob D. João VI, o Campo veio a ser dotado de um jardim, tendo sido
a forma atual dada em 1873 pelo paisagista francês Auguste François Marie
Glaziou, também responsável pelo Passeio Público e pelo parque da Quinta da Boa
Vista, durante o gabinete do Visconde do Rio Branco.
Em 12 de outubro de 1822, de um palacete de madeira lá erguido, D. Pedro
I foi aclamado pelo povo como Imperador do Brasil, tendo sido o Campo
rebatizado como da Aclamação.
Em
7 de abril de 1831, em face da abdicação de D. Pedro I, o nome do lugar chegou a ser alterado para
Campo de Honra, que não vingou, continuando a ser da Aclamação até a República,
embora o povo teime a chamá-lo de Santana.
Em 15 de novembro de 1889, lá se desenrolou o drama da queda da
monarquia. A questão militar não passava de uma questão disciplinar,
transformada em política. Naquele dia, pela manhã, o General Manuel Deodoro da
Fonseca, sem comando, montado no manso
cavalo baio nº6 do I Esquadrão do 1º Regimento de Cavalaria, fora saudar a
tropa revoltosa, como foi retratado por Henrique Bernardelli no quadro Marechal
Deodoro. Mas ainda não era a República, visto que exigia somente a renúncia do
gabinete liberal do Visconde de Ouro
Preto.
Os republicanos eram uma minoria radical, sem penetração popular, em que
se destacavam militares adeptos do positivismo de Augusto Comte e de civis
filiados à maçonaria. Estavam com pressa, para evitar a posse da nova Câmara
dos Deputados, em 20 de novembro de 1889, para a qual o Partido Republicano não
lograra eleger ninguém, e também para
que não acontecesse o jubileu de ouro de D. Pedro II, a dar-se em 23 de junho
de 1890.
Por segurança, o Ministério fora levado a reunir-se no Quartel General
do Exército, no Campo de Santana, com a garantia do General Floriano Peixoto,
Inspetor General. Era uma armadilha: quando recebeu a ordem do Primeiro
Ministro de dissolver a tropa revoltada , não a acatou, a ela aderindo. O Ministério estava preso!
Naquela tarde,
Ouro Preto foi apresentar a sua renúncia ao Imperador, o qual indicou o Senador
gaúcho Gaspar da Silveira Martins para formar o novo Ministério. Foi um erro,
pois o indicado era desafeto pessoal de Deodoro.
No dia anterior, na Rua do Ouvidor, espalhara-se o boato (fake news?) de que o governo havia
ordenado a prisão de Deodoro e de que pretendia dissolver o Exército e
substituí-lo pela Guarda Nacional, o que era deslavada mentira, mas serviu para
incitar a tropa à revolta.
Deodoro nunca fora republicano, somente havendo se decidido pela
República naquela noite em reunião em sua casa, no mesmo Campo, hoje um museu.
Alçado à Presidência, logo renunciaria e morreria em seguida.
A alegoria de Benedito Calixto, na Pinacoteca do Estado, bem retrata que
a República resultou de um golpe militar, com pouca participação civil, sem
povo algum!
Não houve nenhuma demonstração de entusiasmo popular. Como reconheceu o
republicano Aristides Lobo,” o povo assistiu àquilo bestializado, atônito,
surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar
vendo uma parada. Era fenômeno digno de ver-se”.
Desde que as Forças Armadas tomaram de facto e não de direito do Imperador
o Poder Moderador, passando a arbitrar as crises políticas, outros golpes
militares viriam a suceder-se, em uma sequência que parece não ter fim.
Fontes:
Vivaldo Coaracy, Memórias da Cidade Do Rio de Janeiro,
Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1955.
M. Pio Corrêa, O Cavalo que Proclamou a República, Editora
Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1999.
Brasil Gerson, História das Ruas do Rio, 5ª edição, Lacerda
Editores, Rio de Janeiro, 2000.
Rio de Assis, Imagens Machadianas do Rio de Janeiro, Casa da
Palavra.
Sítio da Arquidiocese do Rio de Janeiro/Paróquia de
Sant’anna.