24 outubro, 2020

Ela, a informação

Catende, a cara província. Era mais um dia de domingo e lá ia eu andando, por volta das seis da manhã, em demanda da missa matinal. Era uma missa mais tranquila, menos barulhenta, mais introspectiva do que aquelas do horário do fim da tarde. Havia alguma ligação entre a paz da manhã e a tranquilidade da liturgia. Ao lado, no jardim do templo, era até possível ouvir aqui e ali o silvo adocicado de um pássaro.  
Minha mãe estava sempre lá, no coral de Santa Ana. De quando em vez subia ao altar e lia a epístola. 
Eu acompanhava tudo de longe. Nada na algibeira, nem mesmo um terço eu carregava. Ao fim da missa, nós descíamos a ladeira e ao dobrar a rua à direita chegávamos em casa. Era ainda cedo e a cidade dormia. 

No terraço da casa, jogado ao canto, envolto em uma bolsa plástica, jazia o Diário de Pernambuco. Calmo, taciturno e antigo. Parecia não representar perigo algum. Estava no canto dele e só era perturbado se nós o provocássemos. 


Lia uma manchete que chamasse atenção. Algo de política, uma curiosidade histórica, aquelas notas tiradas das antigas tiragens do século XIX. Após a leitura, um ou outro comentário. A informação jazia em mim e se dispersava durante o dia, sem máculas ou desesperos. Ninguém na rua ou em casa me parava para apresentar um trecho do jornal, a vida seguia seu curso, sem tantas informações relevantes do Brasil ou do mundo. 

O tempo foi passando e os meios de informações foram pipocando de todos os lugares. De repente sai da tua algibeira, como um jabuti furtivo que aparece de repente e é sempre uma surpresa. E no bolso cabem centenas de amigos: Você viu? Você leu? O que será agora? O STF, o ministro, o presidente, o comunismo, o anticristo...? É tanta coisa. 

Quando farto, na hora do almoço, a cantilena toca. É notícia? Algum parente mandando lembranças? Uma piada? Não, o STF decidiu a inconstitucionalidade de alguma norma que vai fazer com que o país entre na nova ordem mundial. Meu, Deus, a nova ordem mundial! E o papa? Ele já falou: Quem sou eu para julgar... 

E a notícia persiste. Comenta-se a notícia à exaustão. Ah, é fake, eu chequei. Não é não, diz o outro. E ela ainda persiste. Antes de dormir, alguém que não nos conhece comenta a notícia e você olha, e você se cansa, e você olha outra vez, mas não entende. Só espera amanhã a notícia mais uma vez, para nos encher de pensamentos, de ilusões, de posições, de ventos que levam a angústia. Mas ela vem, a notícia de paz: O melhor presidente venceu, ufa! Tudo de mal ficou para trás... 
 
Mas a notícia não pára, tem o twitter e os comentários, os especialistas das notícias, o fidalgo que vê além, o canal do youtube, a lista de whattsapp, o instagram e facebook, o podcast e o jornal, o comentário do comentário, a formação do comentário, o astrólogo que passa, a música mal escutada, a bolsa que cai, a bateria descarregando, a bolsa que sobe, a alma embromada, o assalto ao vivo, o tempo que vai passando, a tomada não encontrada, enfim, depois de um dia tenso, a bateria descarregada. 

Antônio Manuel, 
Recife, 24 de outubro de 2020.