A expressão “no tempo do Onça”
remete a coisas antigas ou fatos ocorridos em tempo remoto. Nem sempre foi
assim.
O coronel da arma de infantaria
da praça de Chaves, Portugal, Luiz Vahia Monteiro, conhecido como “o Onça”, foi governador da Capitania do Rio
de Janeiro de 1725 a 1732.
Ao tempo do “Onça”, reinava em
Portugal D. João V, O Magnânimo, monarca absoluto, cujo reinado foi de 1706 a
1750. Neto de D. João IV, que inaugurara a dinastia de Bragança, era casado com
D. Mariana da Áustria, em associação das famílias reais portuguesa e austríaca,
feito repetido por D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal, ao casar-se com D.
Leopoldina.
As cidades de S. João del Rey e
Mariana, em Minas Gerais, devem as suas denominações ao casal real. Já S. José
del Rey, hoje Tiradentes, homenageava o príncipe herdeiro, que sucederia o pai
como D. José I.
Ao tempo do “Onça”, a capital do Brasil era Salvador da Bahia, visto desenvolver-se no nordeste a principal atividade da Colônia, o cultivo da cana de açúcar. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, capitania destacada de S. Paulo em 1720, houve o deslocamento da capital para o Rio de Janeiro em 1763.
As fronteiras da colônia haviam
sido alargadas pelos bandeirantes paulistas, conquista que ganhou foro de
juridicidade pelo Tratado de Madrid, firmado em 13 de janeiro de 1750, o que
legitimou a posse dos territórios situados a oeste da linha de Tordesilhas, com
base no princípio do uti possidetis, pelo qual deve exercer o domínio aquele
que tem posse longeva. Portugal foi representado pelo diplomata Alexandre de
Gusmão, nascido em Santos.
A economia da colônia, tanto na
lavoura da cana de açúcar como na mineração do ouro, era baseada na mão de obra
servil, com a importação de africanos, em longa e triste página da história,
não virada completamente com a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.
Ao tempo do “Onça”, só podiam
exercer cargos públicos aqueles que demonstrassem “limpeza de sangue”, ou seja,
ausência de antepassados negros, judeus ou muçulmanos. Presente no Brasil, a
Inquisição perseguia os adeptos de ritos africanos ou de cultos protestantes,
bem como os cristãos novos, suspeitos de praticar em segredo o judaísmo ou o islamismo.
O ingresso de estrangeiros na colônia não era
permitido, para que não cobiçassem as suas riquezas. Também era vedado o comércio internacional.
A abertura dos portos só ocorreria em 1808, com a vinda da família real ao
Brasil.
Eram proibidas no Brasil as
tipografias, a impressão de livros e a circulação de jornais, para manter os
brasileiros na ignorância, evitando-se reivindicações políticas.
Há duas explicações para a
alcunha que Vahia Monteiro ganhou do povo de “O Onça”, animal mais feroz da
fauna brasileira. A primeira, mais fácil, é que era de gênio iracundo e voluntarioso,
tendo frequentes acessos de fúria. A segunda, mais plausível, é que era
demasiado rigoroso no cumprimento da lei, comportamento que exigia de todos,
pelo que ganhou a hostilidade da Câmara, do ouvidor e do juiz de fora,
fazendo-se inimigo do clero regular e secular.
Negava favores, tendo procurado
restabelecer a justiça e a ordem, sendo criterioso no emprego da verba pública.
Tratou de punir o descaminho do ouro das Minas Gerais, assegurando que fosse
remetido a Portugal. Procurou garantir a tranquilidade pública, reprimindo com
severidade implacável a malta de desocupados, desordeiros e ladrões. Quanto
mais graduado o corrupto, maior a punição. O povo o prestigiava, mas a elite
não o suportava.
Em 1711, o Rio de Janeiro fora
tomado, em bem sucedida incursão, pelo corsário francês René Duguay-Trouin, que
só o deixou mediante o pagamento de pesado resgate. Para defender a cidade,
como alternativa à construção de uma muralha do Morro da Conceição ao do
Castelo, que reputara inútil, Vahia Monteiro propôs insulá-la por um canal
navegável da Prainha (atual Praça Mauá) ao Largo da Ajuda (atual Passeio
Público), o que contrariou poderosos interesses da época.
Em carta dirigida ao Rei,
afirmou: “Nesta terra, todos roubam, só eu não roubo”. Acrescentou que os
brancos, pondo os pés no Brasil, nenhum queria trabalhar e, se Deus não lhes
desse meios lícitos para passar a vida, costumavam sustentar-se com roubos e
trapaças.
Vahia Monteiro ainda prestou
auxílio à construção da Igreja da Irmandade do Rosário dos Pretos, onde
permanece o seu retrato. Como todo visionário, que pretende reformar o mundo,
sucumbiu às pressões dos poderosos interesses que se propusera a enfrentar.
Destituído do cargo por seus inimigos, morreu em 1733.
Depois de sua passagem, a cidade
do Rio de Janeiro entrou em progressiva degradação, o que faz com que ainda
hoje se afirme: “No tempo do Onça é que era bom...”
Bibliografia:
1. Passos,
Alexandre, O Rio no Tempo do “Onça”,
p.107 / 119, Livraria São José, Rio,
1965
2. Laurentino
Gomes, Escravidão, II, p. 151 / 154, Globolivros, Rio, 2021