Marcelo Andrade diz que o símbolo é o ser inconcreto que representa, alude, denota outro ser, seja esse abstrato, seja esse concreto; é o inteligível no sensível, e segundo Santo Agostinho, é uma coisa que conhecida nos leva ao conhecimento de outra coisa, distinta dela mesma; segundo o Pseudo Dionísio é o meio de elevação espiritual adaptado à nossa natureza.[1]
Dito isto, nos valemos da passagem do evangelho de São Mateus, tirada da Catena Áurea, que é a reunião de comentários aos evangelhos, condensados por São Tomás de Aquino. Na Lectio II:V.2, temos a seguinte passagem: “Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou Judá e seus irmãos”. Após os comentários dos santos e doutores, há uma glosa de São Tomás de grande beleza e profundidade.
Diz ele: “que em sentido moral Abraão
significa para nós a virtude da fé por seu exemplo, lendo-se sobre ele: Abraão
creu em Deus, e lhe foi tido em conta para a justiça. Já Isaac significa esperança,
porque se traduz por riso, pois foi a alegria de seus pais. Mas a
esperança é, semelhantemente, nossa alegria, porque nos faz aguardar os bens
eternos e alegrarmo-nos com eles. Logo, Abraão gerou Isaac, porque a fé gera a
esperança. Jacó, por sua vez, significa caridade. A caridade, com efeito abraça
as duas vidas: a ativa, por amor ao próximo, e a contemplativa, pelo amor de
Deus. A vida ativa está figurada em Lia; a contemplativa em Raquel. Lia significa
a que trabalha, pois é ativa no trabalho; Raquel significa tendo
visto o princípio, pois pela vida contemplativa, o princípio, isto é, Deus,
é visto. Jacó nasce, portanto, de dois pais, porque a caridade nasce da fé e da
esperança, pois amamos aquilo em que cremos e aquilo que esperamos.”[2]
Ora,
esse sentido moral nos permite ainda explorar o campo simbólico e emitir um
facho de luz por outros ângulos, segundo a lição ensinada por Marcelo Andrade.
Vamos envidar um esforço para trazer alguns aspectos que podemos aprofundar e
enriquecer algumas das experiências materiais para se retornar à meditação do
sentido moral das coisas.
No seu livro Metafísica da Gastronomia, ao
falar do vinho, do azeite e do pão, remete-nos, Marcelo Andrade, à tríade
clássica: o vinho se relaciona com a Grécia; o azeite com Israel e o pão com Roma.
É fácil perceber, posto que os antigos já afirmavam: In vino, veritas,
ou seja, no vinho, a verdade; ora, a Grécia, pátria da filosofia, buscou, pela
razão o conhecimento verdadeiro das coisas. Por outro lado, o azeite é a unção,
os santos óleos que ungem o sacerdote e o rei, logo, o azeite nos remete à
Israel; por fim, o pão, que nos remete à civilização, ao convívio, à amizade, à
construção de pontes, à Roma, que curiosamente tem o nome amor invertido, portanto,
o pão simboliza Roma.
Voltando
à glosa de São Tomás percebe-se que Abraão significa para nós a fé. Ora, quem
nos legou a Fé? Que nação foi que que arou na vinha do Senhor? Israel é o povo
que nos trouxe a Fé, de Israel nasceu o Salvador, é o povo sacerdotal. Abraão,
que tem a virtude da Fé é Israel, é o azeite que sara nossas feridas, nos
alimenta e nos unge: no batismo, na crisma, na ordem. Abraão gerou Isaac, que significa
sorriso; ora, diz o salmista: O vinho alegra o coração do homem, a
ligação com Isaac é patente. Por outro lado, pode-se dizer que a compreensão da
verdade alegra o coração do homem, uma vez que as coisas criadas por Deus são
boas; o homem que descobre a verdade, anima-se, ri. É pois, Isaac, esse homem
risonho que se alegra com a verdade, que se inebria com a verdade, com o álcool
do vinho que inebria. Isaac é a Grécia que estuda o ser enquanto ser, que
confia nas coisas criadas e delas eleva a inteligência para a compreensão das
coisas. Por fim, temos o pão, o pão da caridade. A caridade é expansiva, alarga-se
no tempo e no espaço, é como Roma que se expandiu para todos os recantos da Terra,
que cresceu como a massa de pão e que alimentou muitos povos, seja com a cultura,
seja com o direito. E de Roma vieram as duas espadas: a temporal e a espiritual,
donde se assentou o papa, em veste branca, como o pão, como a eucaristia, como
Nossa Senhora, como diz São João Bosco: os três amores brancos que nos
distinguem. Jacó é Roma.
E por fim diz o salmista, para melhor
condensar e arrematar o texto (104,15) que Deus produziu “o vinho que
alegra o coração do homem; para fazer brilhar o seu rosto com azeite,
para que o pão robusteça o coração do homem”.[3]
Recife, 20 de fevereiro de 2022.
Antônio Manuel