22 maio, 2022

A Unidade da Igreja e a Liturgia

 

A unidade do cristianismo foi quebrada em 1054, com o cisma do oriente, em que o Papa Leão IX e o Patriarca de Constantinopla, Miguel I, se excomungaram  mutuamente. De um lado, ficou a Igreja Católica Apostólica Romana; de outro, a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa. A primeira segue o rito latino e a segunda o rito bizantino. Em 1204, na quarta cruzada, Constantinopla foi saqueada pelos cruzados, o que aprofundou a divisão. A excomunhão mútua só foi levantada em 1965  pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca Athenagoras. Nada obstante o diálogo, não se vislumbra a reunificação. Ainda, à Igreja Romana se filiam igrejas orientais, como a Maronita e a Melquita, que seguem o rito bizantino.

 No ocidente, no século XVI, teve início a reforma protestante. Em 1517, em Wittenberg, Alemanha,  o monge rebelde Martinho Lutero publicou as suas 95 teses, tendo sido excomungado em 1521  pelo Papa Leão X. Ainda no século XVI, em 1534, deu-se o cisma anglicano, em face da recusa do Papa Clemente VII à anulação do casamento do rei Henrique VIII da Inglaterra com Catarina de Aragão. O rei tornou-se chefe supremo da Igreja Anglicana, tendo sido  excomungado  pelo Papa Paulo III.

As igrejas reformadas aboliram a missa, substituindo-a por um culto despido de sacralidade. Na Igreja Anglicana, abandonou-se o latim, tendo sido adotado o idioma vulgar nos ofícios religiosos, com a simplificação do rito. O clero regular foi banido, mantido apenas o secular, subordinado ao Estado.

A reação da Igreja Católica à reforma protestante e ao cisma anglicano  veio em 1545, com a convocação do Concílio de Trento, em que foi reafirmada a autoridade papal, com a manutenção do celibato eclesiástico e a criação da Companhia de Jesus, ao lado das demais ordens religiosas. Em 1570, após a revisão do missal romano pelo Concílio de Trento, o Papa Pio V promulgou a liturgia da missa do rito romano, mantido o latim como língua oficial.

Em 1962, o Papa João XXIII inaugurou o Concílio Vaticano II, encerrado em 1965  pelo Papa  Paulo VI.  Desde o anterior até Bento XVI, todos os papas  haviam participado daquele concílio como sacerdotes , prelados ou consultores.

Não obstante a heresia modernista houvesse sido condenada por Gregório XVI, Pio IX e Pio X, o Concílio Vaticano II optou por modernizar a Igreja, a fim de torná-la mais participativa da sociedade, impregnada de valores revolucionários, como o agnosticismo liberal ou o ateísmo comunista. Como consequência, novo missal romano foi promulgado em 1969 por Paulo VI e revisado em 2002 por João Paulo II. A iniciativa tinha por fim a maior participação dos fiéis na missa, com a simplificação do rito e a utilização da língua vulgar. Na verdade, o que ocorreu foi a aproximação do modernismo protestante. Quem assistir a uma missa anglicana e outra  católica moderna quase não perceberá a diferença. A intenção da reforma foi mesmo tornar a liturgia católica mais próxima da protestante, afastando-se da teologia católica, tal como havia sido formulada no Concílio de Trento.

Outro aspecto é o musical. O canto gregoriano e a música sacra erudita foram abandonados nas celebrações da missa moderna. Belíssimas composições de música sacra são ignoradas. Nos templos católicos, os órgãos jazem abandonados, quase não havendo quem os  toque.  Não há mais mestres de capela com as suas orquestras. O que se escuta, por vezes, são canções populares, com música chã e letra banal. Vai distante o tempo do mestre Romão, que regia a orquestra da Igreja do Carmo, no Rio de Janeiro, com música de autoria do Padre José Maurício Nunes Garcia, conforme relato de Machado de Assis em Cantiga de Esponsais, uma das Histórias Sem Data (Jackson Editores, Rio, 1946).

O que se seguiu foi o contrário do esperado. Os templos católicos se esvaziaram, com a migração do povo sedento de misticismo para as igrejas pentecostais, que não param de crescer.

Em 2007, o Papa Bento XVI, em seu motu proprio Summorum Pontificum, houvera permitido a celebração da missa tridentina para os fiéis que o desejassem. Entretanto, em 2021, o Papa Francisco, em seu motu proprio Traditionis Custodes, revogou o anterior, restringindo a celebração da missa tridentina. Parece que o catolicismo tradicional terá de voltar às catacumbas, para as suas celebrações.

 

                                       Haverá um novo cisma?


Paulo Eduardo Razuk