Paulo Eduardo Razuk
Desembargador aposentado do TJSP
Bacharel e Doutor em Direito pela USP
Antígona é uma tragédia grega
escrita por Sófocles (496/406 a.C.), que, ao lado de Ésquilo e Eurípedes, compõe
o triunvirato do teatro grego, que conserva grande atualidade, pelos temas de
alta relevância para a alma humana que abordam.
Na obra de Sófocles, destaca-se a
chamada trilogia tebana, composta pelas peças Édipo Rei, Édipo em Colono e
Antígona. Na primeira, o personagem mata o pai, Laio, rei de Tebas, e se casa
com a mãe, Jocasta. A segunda descreve o
exílio do personagem em Colono. Na terceira, sobressai o conceito de direito
natural.
Édipo tivera com Jocasta quatro filhos:
Polinice, Etéocles, Ismênia e Antígona. Em meio a uma guerra civil, na disputa
pela coroa de Tebas, os filhos varões acabam por matar-se um ao outro. Sobe ao
trono Creonte, irmão de Jocasta, que decide pelo sepultamento de Etéocles
conforme o cerimonial devido aos mortos; Polinice seria largado aos cães e aves
de rapina.
Antígona opõe-se ao tirano, deixando claro que
não abandonará o corpo do irmão sem o devido rito sagrado:
“Sim, porque não foi Zeus que o promulgou; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis, não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando vigoram! Tais decretos, eu, que não tenho o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses!“
O tema do direito natural foi
abordado por Sócrates (470/399 a.C.), que reconhece, acima das leis mutáveis e
escritas, a existência de uma lei natural, independente do arbítrio humano,
universal, fonte primordial de todo o direito positivo, expressão da vontade
divina promulgada pela voz interna da consciência. A lei natural supõe um ser
superior ao homem, um legislador que a promulgou e sancionou.
A página mais vibrante do direito natural é de Cícero (106/43 a.C.), que alude à verdadeira lei, a reta razão, conforme a natureza, em todos inscrita, constante, sempiterna:
“Se a vontade dos povos, os decretos dos chefes, as sentenças dos juízes, constituíssem o direito, então para criar o direito ao latrocínio, ao adultério, à falsificação dos testamentos, seria bastante que tais modos de agir tivessem o beneplácito das sociedades. Se tanto fosse o poder das sentenças e das ordens dos insensatos, que estas chegassem ao ponto de alterar, com suas deliberações, a natureza das coisas, por que motivo não poderiam os mesmos decidir que o que é mau e pernicioso se considerasse bom e salutar? Ou por que motivo a lei, podendo transformar uma injúria em direito, não poderia converter o mal no bem? É que, para distinguir as leis boas das más, outra norma não temos que a da natureza”
Santo Agostinho (354/430 d.C.) concebeu a lei
eterna, fruto da razão e da vontade de Deus, que impõe o cumprimento e a
conservação da ordem natural e proíbe a sua transgressão. Essa lei é participada ao homem por meio da
lei natural, impressa na mente, que a descobre por iluminação intelectual. Não há alma dotada de razão em cuja
consciência Deus não fale. Quem escreveu a lei natural no coração do homem
senão Deus?
Santo Tomás de Aquino (1225/1274)
na obra De Lege traz a classificação das leis: eterna, natural e positiva. A
lei eterna é a razão da divina sabedoria que dirige todos os atos
e movimentos para seu devido fim. A lei natural é a participação da lei eterna
na criatura racional, na qual Deus infundiu a luz do intelecto, pela qual
sabemos o que deve ser feito e o que deve ser evitado. A lei positiva é a lei
humana, que realiza a essência da lei, quando deriva da lei natural.
Para José Pedro Galvão de Sousa
(1912/1992), deve se distinguir um duplo prisma: o da ciência e o da filosofia
do direito. A filosofia do direito tem por objeto a essência do direito, quid
sit jus. A ciência do direito tem por objeto o conhecimento empírico do
direito. Como o positivismo filosófico não conseguiu sobrepor-se à metafísica,
tampouco ao positivismo jurídico foi possível banir da filosofia do direito a
ideia de direito natural.
Negar o direito natural é negar o princípio
absoluto da justiça. Ora, o direito ou é objeto da justiça, ou é simples
produto das flutuações do arbítrio legislativo. No primeiro caso, mantém a
ciência jurídica a dignidade que já lhe haviam atribuído os romanos,
definindo-a como o conhecimento das coisas justas e injustas. Mas, no segundo
caso, torna-se uma simples arte a serviço da habilidade ou da força.
Eliminado o conceito de direito
natural, não há nenhuma razão suficiente para que o legislador deva promover o
bem comum, os súditos devam obedecer à autoridade e os contratos devam ser
observados.
Por isso, o estado de direito
supõe necessariamente o direito natural. A subordinação do estado à ordem
jurídica pressupõe um critério objetivo de justiça, transcendente em relação ao
direito positivo, e do qual este depende. Tal critério decorre da existência do
justo por natureza, sem o que o direito se reduziria à mera expressão da
vontade da força social dominante. O jus quia jussum est e não o jus quia
justum est.
A ideia de direito natural foi primeiro
exposta por Sófocles, na boca da personagem Antígona, tendo sido desenvolvida
por teólogos, filósofos e juristas que a abraçaram.
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Tradução de Luiz Jean Lauand
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