Já era a segunda vez que ele
olhava o produto. Melhor dizendo, o preço do produto. Entre ele e o pacote havia mais coisas do que pode imaginar nossa vã filosofia: oito reais e
cinquenta centavos! Não era possível, tão próximo e tão distante. O rapaz já estava
começando a ficar nervoso, a menina do balcão, uma negra com cabelos coloridos
que trajava uma camisa encarnada com a legenda: “Lute como uma nordestina”,
olhava-o à distância como aprovando sua conduta política de comprar aquele
patético cuscuz.
O tempo passou e entrou um grupo
de meninas. Uma andava abraçada com outra e a terceira, por coincidência, usava
uma camisa branca com legendas em vermelho: Lute como uma feminista! Ele olhou
para elas e sorriu, sem disfarçar uma certa inveja com a leveza delas ao entrar naquela mercearia tão famosa do MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra).
Por um momento, sentiu-se humilhado. Sempre teve o famoso movimento como algo
dos oprimidos, dos miseráveis que queiram terra para plantar, mas como é que
agora, ele, estudante de direito, opressor da elite branca, teria que contar centavos
para comprar uma comida comumente tão barata.