A religião pública se delineou
desde há muito tempo com a finalidade de ocultar e em seguida substituir a
religião do Verbo. O humanismo foi atraindo o homem para o centro dos quadros e
relegando Nosso Senhor para a sombra e escuridão, tudo endossado por uma certa
doutrina que fala sobre a divindade que está espraiada em todos.
Essa religião pública começou em um nível racionalista e enxergou no Estado nacional a manifestação da inteligência ordenadora: tudo pelo Estado que dita as regras do que é verdadeiro. O bom e o belo, claro que não importam mais. Aqui é de constatar que o aparecimento do positivismo jurídico exerceu presença fundamental.
O positivismo nada mais é do que
o afastamento de qualquer concepção espiritual ou prévia para a manifestação
das leis que regem e organizam a sociedade. O positivismo é historicista,
racional, relativo. O que vale é o que está positivado, passadas as exigências
da elaboração das leis. O Estado teria como tentáculo organizacional essas leis
positivas que nada teriam de conteúdo religioso.
No século XX, Niklas Luhmann, sociólogo,
trouxe da biologia o conceito de autopoiese e alopoiese. A organização estatal
de uma sociedade moderna, diga-se de passagem, de uma sociedade iluminada por
suas próprias luzes, seria autopoiética, ou seja, seria autorreferente. A explicação
é que uma sociedade estaria no seu estágio de desenvolvimento adequado se o
Estado tivesse a si mesmo como referência, afastando de sua atividade qualquer
outro subsistema que pudesse fazer com que atrapalhasse seu funcionamento pleno.
Se por exemplo a religião determinasse a elaboração das leis, estaríamos ainda
em uma sociedade alopoiética. Para ser ainda mais claro, se uma lei contra o
aborto, por exemplo, fosse aprovada por influência dos católicos ou porque os
parlamentares sofreram a campanha clerical, essa sociedade estaria ainda em um
estágio em que o subsistema da religião determinaria a condução do exercício
legiferante.
Do encontro desse noção do Estado
com o positivismo, compreende-se o estado atual da organização estatal:
autorreferência legiferante com positivismo puro e simples, sendo a sua
validade apenas submetida ao crivo da decisão das Cortes superiores, no caso do
Brasil, ao Supremo Tribunal Federal, que além de exercer função de tribunal
recursal, também exerce o controle de constitucionalidade das leis.
Vejamos agora o que disse o
comentarista da CNN e professor de história Marco Antônio Villa:
“A discussão das fake news mistura
princípios morais religiosos com as regras da ordem legal e, principalmente, da
ordem constitucional. Ou seja, as regras ‘internas’ de uma religião não podem
se sobrepor às regras da sociedade, em outras palavras, o ordenamento legal de
uma sociedade”[1]
Seguindo a reportagem, o aludido
professor ainda pontuou que a ligação religiosa com a política é um monstro que
precisa ser enfrentado.
Percebam como a opinião do professor deita raízes em uma ideologia que
foi gestada nos bancos acadêmicos e de pesquisas, principalmente no campo das
ciências humanas e ciências humanas aplicadas, para criar uma concepção de
organização social, o que fatalmente atinge os cristãos, desses que vivem sob o
pálio do Estado Nacional gestado a partir dos princípios trazidos na Revolução
Francesa.
É aqui que se desenrola o pano de
fundo da religião pública: uma postura condescendente com as escolhas éticas do
Estado e a aceitação dessas leis emanadas do povo, sagradas porque aceitas pela
maioria, ou estabelecidas pela interpretação dos juízes que compõem as ditas
Cortes superiores, que por entenderem a evolução do direito na sociedade, adaptam
o sentido e o alcance das normas nos novos tempos que correm.
Por exemplo, o caso da união estável.
No art. 226 da Constituição Federal (CF/88), no seu § 3º diz que se reconhece a
união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Ora, o STF, em maio
de 2011, julgando a ADI 4277, mesmo a letra da Constituição sendo explícita,
equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens
e mulheres. Aqui se aplicou a marcha evolutiva da Lei, tendo um órgão julgador
inovando no direito, ao arrepio das escolhas e decisões dos parlamentares porque
o STF atua como editor da sociedade, nas palavras do Ministro Dias Toffoli[2],
ou seja, como caminho e verdade que indica um ponto, sem o qual, caso discorde,
pode causar graves problemas. Entre o que a religião diz para se fazer e entre
o comando do Supremo Tribunal, caso o indivíduo escolha seguir a religião, gestará
um monstro que Villa já mandou extirpar.
Esse é o estado atual da situação
e contra esse agigantamento estatal não é o liberalismo e nem a visão menos
indutora da economia que irá fazer dirimir o poder do Leviatã. Esse tipo de
monstro, para usar do epíteto de Villa, só é combatido com anjos e santos. Pessoas
dispostas a estudar para entender e entender para efetivamente agir, alicerçado
nas colunas pelas quais esse edifício estatal foi construído para minar: A Igreja
Católica. Se não tiver reação, seremos convidados a ter uma religião privada,
dentro de nossas casas, nas nossas consciências, sem nada exterior, calados,
sendo controlados até na forma de falar e usar a mais simples vogal ao final de
cada palavra...
Antônio Manuel
Recife, 09 de maio de 2023.