09 maio, 2023

A RELIGIÃO PÚBLICA E A RELIGIÃO PRIVADA

 

A religião pública se delineou desde há muito tempo com a finalidade de ocultar e em seguida substituir a religião do Verbo. O humanismo foi atraindo o homem para o centro dos quadros e relegando Nosso Senhor para a sombra e escuridão, tudo endossado por uma certa doutrina que fala sobre a divindade que está espraiada em todos.

Essa religião pública começou em um nível racionalista e enxergou no Estado nacional a manifestação da inteligência ordenadora: tudo pelo Estado que dita as regras do que é verdadeiro. O bom e o belo, claro que não importam mais. Aqui é de constatar que o aparecimento do positivismo jurídico exerceu presença fundamental.

O positivismo nada mais é do que o afastamento de qualquer concepção espiritual ou prévia para a manifestação das leis que regem e organizam a sociedade. O positivismo é historicista, racional, relativo. O que vale é o que está positivado, passadas as exigências da elaboração das leis. O Estado teria como tentáculo organizacional essas leis positivas que nada teriam de conteúdo religioso.

No século XX, Niklas Luhmann, sociólogo, trouxe da biologia o conceito de autopoiese e alopoiese. A organização estatal de uma sociedade moderna, diga-se de passagem, de uma sociedade iluminada por suas próprias luzes, seria autopoiética, ou seja, seria autorreferente. A explicação é que uma sociedade estaria no seu estágio de desenvolvimento adequado se o Estado tivesse a si mesmo como referência, afastando de sua atividade qualquer outro subsistema que pudesse fazer com que atrapalhasse seu funcionamento pleno. Se por exemplo a religião determinasse a elaboração das leis, estaríamos ainda em uma sociedade alopoiética. Para ser ainda mais claro, se uma lei contra o aborto, por exemplo, fosse aprovada por influência dos católicos ou porque os parlamentares sofreram a campanha clerical, essa sociedade estaria ainda em um estágio em que o subsistema da religião determinaria a condução do exercício legiferante.

Do encontro desse noção do Estado com o positivismo, compreende-se o estado atual da organização estatal: autorreferência legiferante com positivismo puro e simples, sendo a sua validade apenas submetida ao crivo da decisão das Cortes superiores, no caso do Brasil, ao Supremo Tribunal Federal, que além de exercer função de tribunal recursal, também exerce o controle de constitucionalidade das leis.

Vejamos agora o que disse o comentarista da CNN e professor de história Marco Antônio Villa:

“A discussão das fake news mistura princípios morais religiosos com as regras da ordem legal e, principalmente, da ordem constitucional. Ou seja, as regras ‘internas’ de uma religião não podem se sobrepor às regras da sociedade, em outras palavras, o ordenamento legal de uma sociedade”[1]

Seguindo a reportagem, o aludido professor ainda pontuou que a ligação religiosa com a política é um monstro que precisa ser enfrentado.

O outrora enragés contra o lulopetismo voltou suas baterias contra um fascismo imaginário que atua como um fantasma na política nacional, na iminência de sua marcha sobre Brasília. Tal qual um pracinha sem armas, Villa metralha com a língua quem ele discorda, defendendo prisões e defenestrações em prol dessa entidade mística chamado Estado de Direito.

Percebam como a opinião do professor deita raízes em uma ideologia que foi gestada nos bancos acadêmicos e de pesquisas, principalmente no campo das ciências humanas e ciências humanas aplicadas, para criar uma concepção de organização social, o que fatalmente atinge os cristãos, desses que vivem sob o pálio do Estado Nacional gestado a partir dos princípios trazidos na Revolução Francesa.

É aqui que se desenrola o pano de fundo da religião pública: uma postura condescendente com as escolhas éticas do Estado e a aceitação dessas leis emanadas do povo, sagradas porque aceitas pela maioria, ou estabelecidas pela interpretação dos juízes que compõem as ditas Cortes superiores, que por entenderem a evolução do direito na sociedade, adaptam o sentido e o alcance das normas nos novos tempos que correm.

Por exemplo, o caso da união estável. No art. 226 da Constituição Federal (CF/88), no seu § 3º diz que se reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Ora, o STF, em maio de 2011, julgando a ADI 4277, mesmo a letra da Constituição sendo explícita, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Aqui se aplicou a marcha evolutiva da Lei, tendo um órgão julgador inovando no direito, ao arrepio das escolhas e decisões dos parlamentares porque o STF atua como editor da sociedade, nas palavras do Ministro Dias Toffoli[2], ou seja, como caminho e verdade que indica um ponto, sem o qual, caso discorde, pode causar graves problemas. Entre o que a religião diz para se fazer e entre o comando do Supremo Tribunal, caso o indivíduo escolha seguir a religião, gestará um monstro que Villa já mandou extirpar.

Esse é o estado atual da situação e contra esse agigantamento estatal não é o liberalismo e nem a visão menos indutora da economia que irá fazer dirimir o poder do Leviatã. Esse tipo de monstro, para usar do epíteto de Villa, só é combatido com anjos e santos. Pessoas dispostas a estudar para entender e entender para efetivamente agir, alicerçado nas colunas pelas quais esse edifício estatal foi construído para minar: A Igreja Católica. Se não tiver reação, seremos convidados a ter uma religião privada, dentro de nossas casas, nas nossas consciências, sem nada exterior, calados, sendo controlados até na forma de falar e usar a mais simples vogal ao final de cada palavra...

 

Antônio Manuel

Recife, 09 de maio de 2023.

 

 

 



[1] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/05/02/interna_politica,1488476/religiao-nao-pode-se-sobrepor-as-regras-diz-comentarista-da-cnn.shtml

[2] https://www.poder360.com.br/justica/stf-atua-como-editor-da-sociedade-no-inquerito-das-fake-news-diz-toffoli/