03 outubro, 2023

O Velho Senado


 

                                                                                           Paulo Eduardo Razuk

 

 

 

 

A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, estabelecia que o Senado era composto de membros vitalícios, com idade mínima de quarenta anos. O candidato deveria ser “pessoa de saber, capacidade e virtudes, com preferência os que tivessem feito serviços à Pátria”. A eleição era em âmbito provincial, organizando-se em lista tríplice, onde recaía a escolha da Coroa.

 

Era uma câmara de representantes das províncias, mais idosos, formada de notabilidades políticas, administrativas, judiciárias, militares, intelectuais e industriais, a quem a Constituição dava a inamovibilidade só em vista do alto interesse político, em contemplação não de uma época qualquer de paixões sociais, sim do futuro inteiro e grandioso do Brasil. (1)

 

A Câmara dos Deputados era a representação ativa do progresso, dos interesses locais e móveis; o Senado devia ser o representante das ideias conservadoras e do interesse geral como predominante. Tirado ao Senado o caráter vitalício, muito renovado pela morte, perderia ele a sua melhor garantia. Não fosse essa diferença das duas câmaras, fossem em tudo homogêneas, inútil seria a sua divisão; sujeitas às mesmas condições, dariam os mesmos resultados. (2)

 

O Senado do Império funcionava  no belo edifício que fora a residência do Vice-Rei Conde dos Arcos, no Campo de Santana, onde hoje se acha instalada a Faculdade Nacional de Direito. (3) O salão nobre da Faculdade era a sala de sessões do Senado do Império. Em seu interior, o mobiliário da mesa diretora ainda é o mesmo do Senado. Lá encontra-se um retrato a óleo da cena em que a Princesa Isabel, herdeira do Trono, jurou a Constituição perante o Senado, cena essa de grande dignidade.



Palácio do Conde dos Arcos no Campo de Santana

 

 

                                                      

                                                               Juramento da Constituição

 

Um retrato do velho Senado, por volta de 1860, oferece-nos Machado de Assis, então jovem repórter do Diário do Rio, que acompanhava as sessões. (4)  Conta que os senadores compareciam regularmente ao trabalho, sendo raro não haver sessão por falta de quórum. Uma particularidade do tempo é que muitos vinham em carruagem própria. Após mencionar alguns nomes, assinala que tinham feito ou visto fazer a história dos tempos iniciais do regime, achando-lhes uma feição particular, metade militante metade triunfante, um pouco de homens outro pouco de instituição. Vai desfilando a galeria de personagens, entre os quais destaca Zacharias, Eusébio de Queiroz, Nabuco de Araújo, Cotegipe, Montezuma  e Paranhos.

 

Há dois modos de ler; um que vai direto à coisa significada, sem se deter no sinal; outro que dá valor ao sinal, às palavras e construções verbais, por suspeitar que nelas esteja contida uma parte importante da mensagem. Machado deve ser lido deste modo e não daquele; não apenas para saborear a linguagem e o estilo, mas para entender em maior profundidade o que o autor quer transmitir. (5)

 

A crônica machadiana foi escrita na maturidade, evocando período da mocidade. Leva o leitor à comparação inevitável  entre o Senado do Império e o da República Velha, em que o escritor terminou os seus dias.  De um lado, a instituição vitalícia, composta por homens que reunissem saber, capacidade e virtudes, com serviços prestados à Pátria. De outro lado, a assembleia temporária, composta por homens recrutados nas oligarquias estaduais, em eleições a bico de pena, que advogavam causas pequenas.

 

Era de concluir-se com Lima Barreto, que se estava melhor no antigo regime, em que havia mais moralidade. Onde um Caxias, onde um Rio Branco?(6)

 

A crônica machadiana parece não ter perdido a atualidade. Ao apreciar o retrato do Senado do Império, o leitor será tentado a cotejá-lo com a instituição que se apresenta hoje. O resultado poderá ser terrível.

 

 

 

 

1.       Pimenta Bueno, Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Serviço de Documentação do Ministério da Justiça, 1958, p. 57.

2.       Idem, ibidem, p. 55/56.

3.       Octavio Tarquínio de Sousa, A Vida de D. Pedro I, tomo III, p. 52, José Olympio, Rio, 1952.

4.       Machado de Assis, Páginas Recolhidas, Jackson, 1946, p. 149/168.

5.       Gustavo Corção, Machado de Assis, Nossos Clássicos nº37, Agir, 2ª ed., p. 18.

6.       Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Ática, p. 102.