Paulo Eduardo Razuk
A Constituição Política do
Império do Brasil, de 25 de março de 1824, estabelecia que o Senado era
composto de membros vitalícios, com idade mínima de quarenta anos. O candidato
deveria ser “pessoa de saber, capacidade e virtudes, com preferência os que tivessem
feito serviços à Pátria”. A eleição era em âmbito provincial, organizando-se em
lista tríplice, onde recaía a escolha da Coroa.
Era uma câmara de representantes
das províncias, mais idosos, formada de notabilidades políticas,
administrativas, judiciárias, militares, intelectuais e industriais, a quem a
Constituição dava a inamovibilidade só em vista do alto interesse político, em
contemplação não de uma época qualquer de paixões sociais, sim do futuro inteiro
e grandioso do Brasil. (1)
A Câmara dos Deputados era a
representação ativa do progresso, dos interesses locais e móveis; o Senado devia
ser o representante das ideias conservadoras e do interesse geral como
predominante. Tirado ao Senado o caráter vitalício, muito renovado pela morte,
perderia ele a sua melhor garantia. Não fosse essa diferença das duas câmaras,
fossem em tudo homogêneas, inútil seria a sua divisão; sujeitas às mesmas
condições, dariam os mesmos resultados. (2)
O Senado do Império funcionava no belo edifício que fora a residência do
Vice-Rei Conde dos Arcos, no Campo de Santana, onde hoje se acha instalada a
Faculdade Nacional de Direito. (3) O salão nobre da Faculdade era a
sala de sessões do Senado do Império. Em seu interior, o mobiliário da mesa
diretora ainda é o mesmo do Senado. Lá encontra-se um retrato a óleo da cena em
que a Princesa Isabel, herdeira do Trono, jurou a Constituição perante o
Senado, cena essa de grande dignidade.
Palácio do Conde dos Arcos no Campo de Santana
Juramento da Constituição
Um retrato do velho Senado, por
volta de 1860, oferece-nos Machado de Assis, então jovem repórter do Diário do
Rio, que acompanhava as sessões. (4)
Conta que os senadores compareciam regularmente ao trabalho, sendo raro
não haver sessão por falta de quórum.
Uma particularidade do tempo é que muitos vinham em carruagem própria. Após
mencionar alguns nomes, assinala que tinham feito ou visto fazer a história dos
tempos iniciais do regime, achando-lhes uma feição particular, metade militante
metade triunfante, um pouco de homens outro pouco de instituição. Vai
desfilando a galeria de personagens, entre os quais destaca Zacharias, Eusébio
de Queiroz, Nabuco de Araújo, Cotegipe, Montezuma e Paranhos.
Há dois modos de ler; um que vai
direto à coisa significada, sem se deter no sinal; outro que dá valor ao sinal,
às palavras e construções verbais, por suspeitar que nelas esteja contida uma
parte importante da mensagem. Machado deve ser lido deste modo e não daquele;
não apenas para saborear a linguagem e o estilo, mas para entender em maior
profundidade o que o autor quer transmitir. (5)
A crônica machadiana foi escrita
na maturidade, evocando período da mocidade. Leva o leitor à comparação
inevitável entre o Senado do Império e o
da República Velha, em que o escritor terminou os seus dias. De um lado, a instituição vitalícia, composta
por homens que reunissem saber, capacidade e virtudes, com serviços prestados à
Pátria. De outro lado, a assembleia temporária, composta por homens recrutados
nas oligarquias estaduais, em eleições a
bico de pena, que advogavam causas pequenas.
Era de concluir-se com Lima
Barreto, que se estava melhor no antigo regime, em que havia mais moralidade.
Onde um Caxias, onde um Rio Branco?(6)
A crônica machadiana parece não
ter perdido a atualidade. Ao apreciar o retrato do Senado do Império, o leitor
será tentado a cotejá-lo com a instituição que se apresenta hoje. O resultado
poderá ser terrível.
1.
Pimenta
Bueno, Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Serviço
de Documentação do Ministério da Justiça, 1958, p. 57.
2.
Idem,
ibidem, p. 55/56.
3.
Octavio
Tarquínio de Sousa, A Vida de D. Pedro I, tomo III, p. 52, José Olympio, Rio,
1952.
4.
Machado
de Assis, Páginas Recolhidas, Jackson, 1946, p. 149/168.
5.
Gustavo
Corção, Machado de Assis, Nossos Clássicos nº37, Agir, 2ª ed., p. 18.
6.
Lima
Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Ática, p. 102.