13 agosto, 2024

OS ONZE PASSOS


                O prefeito curte a voz do povo e se requebra no passinho. Vai, vai, vai... Ele se requebra até em inauguração de obra pública, publica nas redes e vai: curtem, comentam e compartilham. Pessoas de outros lugares passaram a desejar os passinhos do meu prefeito, como carinhosamente passaram a chamá-lo nas redes sociais e assim suas visualizações vão aumentando e ele vai se tornando um fenômeno das redes e da dança, além, claro, da administração pública.

                É realmente notável o talento que certas famílias têm para o mandonismo. Nem Duarte Coelho, capitão donatário de Pernambuco, conseguiu a façanha da família Campos. Quando o Extraterrestre baixa em Pernambuco e vai saindo do aeroporto, se ele resolver entrar por lá, já vai ver ali próximo um velho acenando com o chapéu: é o avô do prefeito, que também já fora prefeito e governador. 

08 agosto, 2024

Os fugitivos do Recife

 

O Recife povoa meu pensamento com suas pontes, rios e casarões. De tanto nele pensar, comecei a lembrar dos que desistiram daqui e, para minha surpresa, não foram poucos. Muitos amigos saíram do Recife como quem sai de uma prisão. Vejo-os visitar a cidade com um certo alívio, como se me dissessem com o olhar: Isso não me pertence mais. Um amigo, médico do Sírio Libanês, arcovedense aclimatado no Recife por algum tempo, quando está por aqui de visita, percebo uma certa pressa, como se tudo devesse acontecer rápido para se livrar e cair de volta na Paulicéia.

Outro dia, faz mais ou menos um ano, depois de certo tempo vivendo no Recife sem receber ninguém, fizemos um passeio com amigos distintos vindos de Belo Horizonte e São Paulo. Andando ali pela rua Nova, passando pela praça Joaquim Nabuco, tive veleidades de dizer que não tínhamos passado por guerra nenhuma. Os sobrados arruinados chamavam atenção, os prédios pichados, o lixo impregnado, a sujeira constante, tornava mais evidente a destruição nossa de cada dia, talvez porque o olhar do visitante dava mais amplidão ao caos.

20 julho, 2024

DANTAS BARRETO

 

Igreja do Carmo lotada, fim da missa, claro que missa nova. Viva Nossa Senhora! Ouvi algum frei que estava à frente bradar. Todos responderam em uníssono: Viva! A Igreja estava bem iluminada, muita gente, alguns avisos do que ia ocorrer logo em seguida: o show de algum padre que o primeiro nome é Reginaldo. Dele não sei mais nada além disso. Após a procissão sair pela nave da Igreja, as pessoas foram dispersando. Muitos começaram a se concentrar no pátio defronte à basílica.

Logo ao lado um grande palco armado. A portada da basílica começou a fechar e as pessoas que outra cumpriam a liturgia, começavam a andar pelo pátio, a visitar as lojinhas, a sair com suas famílias para os parquinhos que estavam instalados na Av. Dantas Barreto, por seu entorno.

Minhas filhas queriam andar no carrossel e fui para fila do ingresso. Tentativas de passar o pix, aplicativo sem ajudar, cadê dinheiro, uma agonia. Nessa hora irrompe do palco que estava ao lado da basílica solos de guitarra dos mais insanos, isso em uma altura que me obrigava a gritar com a moça: O aplicativo não está pegando! Hã, ela perguntou também com os olhos. Eu gritei para vencer a guitarra: O aplicativo não está pegando. Deixei a cara dela de incredulidade e saí quase enxotado dali, saí porque o som era desagradável e só uma alma muito exposta à beleza da Dantas Barreto poderia ouvir aquelas batidas indiferente.

08 julho, 2024

O “Bota Abaixo”

 


                                                                                               Paulo Eduardo Razuk

 

Proclamada a  República, de extração maçônica, começou o movimento apelidado “Bota Abaixo”, com o fim de eliminar  a herança colonial, na busca de tornar o Rio de Janeiro e S. Paulo assemelhadas a Paris, com seus grandes boulevards. Além da separação entre Igreja e Estado, investiu-se contra os templos católicos.

No Rio, o clímax veio com o arrasamento do Morro do Castelo, lugar de fundação da cidade. Vieram abaixo a Fortaleza de S. Sebastião - O Castelo, a antiga Igreja da Sé e  o Colégio e Igreja dos Jesuítas, como se Paris houvesse por demolir o que existisse na  Île de la Cité. O entulho foi aproveitado no aterramento da Urca, na Baía de Guanabara. Outros templos e conventos vieram a ser eliminados, no afã de “progresso”.

16 abril, 2024

Mais vasto é o meu coração

 

Mundo, mundo, vasto mundo

Se eu me chamasse Raimundo

Seria uma rima, não seria uma solução

Mundo, mundo, vasto mundo

Mais vasto é meu coração

 

O que o poeta quer com esses versos aparentemente inocentes? De tão famoso, ninguém precisa fazer esforço para lembrar. Em todos os cantos se evoca esse trecho do Poema de Sete Faces de Carlos Drummond de Andrade, com uma boa pitada de humor. Esse trecho mencionado é apenas um jogo de palavras para brincar, rimar mundo com Raimundo, nome tão comum e corriqueiro? Por que antepor o mundo e Raimundo? Vamos intentar uma interpretação possível dos versos do poeta de Itabira.

O excerto acima, como dito, é parte do Poema de Sete Faces. Já o nome Sete Faces evoca o símbolo do sete, mas não será explorado nesse momento. Tudo tem início com a visita de um anjo que vive nas sombras e dizendo para Drummond ser gauche na vida, ou seja, um sujeito meio sem jeito, que não se enquadra muito. Que tipo de anjo para dar uma orientação dessas? Por que o autor que era ateu buscou um anjo das sombras para ensiná-lo a ser assim meio que diferente? O trabalho se desenvolve, mas o trecho que nos interessa por ora é o que está destacado no texto.

O autor faz uma relação entre o mundo e Raimundo. Diz que o mundo é vasto e que se chamasse Raimundo isso seria apenas uma rima e não uma solução. Mas o que há entre a realidade-palavra mundo com a realidade-palavra Raimundo? A resposta está subjacente no próprio texto: é uma relação linguística. O que fica de relacional entre o mundo e Raimundo - coisa/pessoa - é um recurso de linguagem, ou seja, o mundo é uma representação mental construído por palavras. Interessante lembrar os versos de " A procura da poesia": 

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

O reino das palavras está ali, mudo, em estado de dicionário, esperando ganhar vida e sentido pelo agir do poeta. O que se tem aqui é que Drummond nos indica que não existe uma realidade analógica/metafísica entre o ser racional e o mundo exterior, mas apenas uma correlação de linguagem. O pathos do indivíduo com o mundo não se dá através de uma relação do tipo analógica, mas meramente linguística

26 março, 2024

Santa Generosa

 Paulo Eduardo Razuk


Santa Generosa foi uma jovem que viveu em Cartago, na África, tendo sido martirizada na era de perseguição dos romanos aos cristãos.

Em São Paulo, a Paróquia de Santa Generosa foi criada em 1915, tendo sido inaugurado o primeiro templo em 1924, no Largo Guanabara, Paraíso. Novo templo, de estilo neogótico foi inaugurado em 1950, ano do apogeu da Paróquia.

No entanto, a Municipalidade resolveu expropriar e demolir o novo templo para a abertura da Avenida Itororó, rebatizada como 23 de Maio. Ao invés de fazer a ligação dos braços da avenida por um túnel sob o espigão da Paulista, como na Avenida 9 de julho, foi aberto um enorme buraco, que engoliu o Largo Guanabara, demolida a Igreja de Santa Generosa. Grave prejuízo ao patrimônio histórico e urbanístico, para privilegiar o transporte individual por automóveis, com a descaracterização da paisagem e a desumanização do meio ambiente.