Igreja do
Carmo lotada, fim da missa, claro que missa nova. Viva Nossa Senhora! Ouvi
algum frei que estava à frente bradar. Todos responderam em uníssono: Viva! A
Igreja estava bem iluminada, muita gente, alguns avisos do que ia ocorrer logo em
seguida: o show de algum padre que o primeiro nome é Reginaldo. Dele não sei
mais nada além disso. Após a procissão sair pela nave da Igreja, as pessoas foram
dispersando. Muitos começaram a se concentrar no pátio defronte à basílica.
Logo ao lado
um grande palco armado. A portada da basílica começou a fechar e as pessoas que
outra cumpriam a liturgia, começavam a andar pelo pátio, a visitar as lojinhas,
a sair com suas famílias para os parquinhos que estavam instalados na Av.
Dantas Barreto, por seu entorno.
Minhas filhas queriam andar no carrossel e fui para fila do ingresso. Tentativas de passar o pix, aplicativo sem ajudar, cadê dinheiro, uma agonia. Nessa hora irrompe do palco que estava ao lado da basílica solos de guitarra dos mais insanos, isso em uma altura que me obrigava a gritar com a moça: O aplicativo não está pegando! Hã, ela perguntou também com os olhos. Eu gritei para vencer a guitarra: O aplicativo não está pegando. Deixei a cara dela de incredulidade e saí quase enxotado dali, saí porque o som era desagradável e só uma alma muito exposta à beleza da Dantas Barreto poderia ouvir aquelas batidas indiferente.
Ainda
na rua a cacofonia insistia em nos seguir. Após uma introdução cruel com os
solos de guitarra, o tal pe. Reginaldo atacava: Está no céu, está no mar, na
extensão do infinito. A pequena massa de fiéis que se instalou no palco fez
coro à música do padre, e eu fui me distanciando da cena com minhas filhas,
sendo perseguido pelo ruído desagradável até ganhar o Pátio de São Pedro, onde
ocorreria a poucos metros da basílica uma apresentação de música antiga.
Na
Igreja de São Pedro dos Clérigos o Conservatório Pernambucano de Música – CPM,
finalizava uma semana de curso de música antiga. Além de belas músicas que
foram apresentadas, tivemos a apreciação de danças renascentistas. Quando
cheguei à igreja, logo na porta, um homem muito alto com camisa preta, com as
iniciais do conservatório, denunciava que fazia parte da organização. Ostentava
em seu pescoço uma guia de candomblé enorme, que não passava despercebida por
ninguém. Além dele, outros estavam pra cima e pra baixo, arrumando aqui
e ali os últimos retoques. Um senhor, que vim saber ser um dos professores,
andava com ar de preocupado, em trajes renascentistas, esperando alguém chegar.
A
Igreja de São Pedro dos Clérigos é um primor. Lá dentro, degustando sua
arquitetura, é difícil imaginar que o ser humano tivesse grosseria tamanha de
fazer uma música como a que estava sendo executada pelo Pe. Reginaldo a poucos
metros dali. A pintura de João de Deus Sepúlveda nos remete a outros tempos,
outras épocas, outra estrutura mental. A cruz no altar lateral à esquerda era tão
vívida, chegava a ter seu drama mais presente a parecer lamentar a falcatrua
humana.
Depois
de certo tempo começaram as apresentações. A violência do Pe. Reginaldo: Está
no céu, está no mar... começou a atrapalhar as execuções e o homem da guia
de candomblé teve que fechar a portada da São Pedro. Amém! Aliviou um pouco.
Ficamos mais embebidos na arquitetura e na música que se seguiu. Inicialmente um
jovem tocou no cravo Fronçois D´Agincour (1684), depois, outro aluno toca Purcell
(1750), em seguida um terceiro cravista executou Bach, concerto em ré menor.
As apresentações começaram a nos distanciar mais do mundo presente, do rock do
Pe. Reginaldo principalmente. Por um momento em pensei que essa apresentação
que eu via no dia 13 de julho de 2024 na São Pedro deveria ser no lugar onde o
padre bestializava o povo com rock pesado misturado com letras cristãs.
Depois
dessas apresentações, ali no presbitério, um grupo executou a viola da gamba.
Dentre os músicos de destacava um rapaz magro, com cabelos estufados, que vergava
no lugar de calças, uma saia. O que ele queria com isso, não sei. O fato é que
ele estava de saia, embora não tivesse trejeitos de homossexual. Outro, que em
outra apresentação estava de calças, esse sim, tinha jeito de homossexual, além de talento para a dança. Por um momento pensei que os personagens da São
Pedro, que executavam músicas tão belas da cultura católica, não devessem estar
ali, mas os fiéis, os padres e os carmelitas; mas não, na ponta cabeça que estamos, a loucura do palco parecia fazer sentido.
Momento
de grande apresentação foi o Magnificat de José Nunes Garcia. Um coro
belíssimo entoou o canto, cheguei a gravar. As sopranos deram um show à parte.
Bela cultura católica do Brasil, com seu representante máximo na música, José
Nunes, de 1767. Do lado de fora, aqui e ali um esgar de guitarra insistia em
nos incomodar quando algum desavisado abria a portada, mas nada que
atrapalhasse. A beleza era mais forte, a arquitetura, a música, as vozes do
coro e das sopranos. Do lado de lá uma Igreja moderna, com grunhidos musicais, sem
beleza alguma, sem sentido, caminhando para o ermo. Na São Pedro, por outro
lado, um grupo do mais diverso possível, visivelmente modernos, sem ares de católicos,
ali no templo sorviam o ápice da cultura católica brasileira. A Igreja que
nasceu da modernidade e dos modernismos é isso que se viu: invadida por irreligiosos, tratando-a como palco de
museu e apresentações de um lado; do outro, a bestialização mundana da arte, a
falta de senso, a descontinuidade, em uma palavra: a revolução.
Recife, 20 de julho de 2024.
Antônio Manuel
JOSÉ NUNES: https://www.youtube.com/watch?v=K7yzhBfBuEE