O prefeito curte a voz do povo e se requebra no passinho. Vai, vai, vai... Ele se requebra até em inauguração de obra pública, publica nas redes e vai: curtem, comentam e compartilham. Pessoas de outros lugares passaram a desejar os passinhos do meu prefeito, como carinhosamente passaram a chamá-lo nas redes sociais e assim suas visualizações vão aumentando e ele vai se tornando um fenômeno das redes e da dança, além, claro, da administração pública.
É realmente notável o talento que certas famílias têm para o mandonismo. Nem Duarte Coelho, capitão donatário de Pernambuco, conseguiu a façanha da família Campos. Quando o Extraterrestre baixa em Pernambuco e vai saindo do aeroporto, se ele resolver entrar por lá, já vai ver ali próximo um velho acenando com o chapéu: é o avô do prefeito, que também já fora prefeito e governador.
Não
vamos deixar de ter UPA Miguel Arraes, Hospital Eduardo Campos, Av. Norte Miguel
Arraes, ALEPE Miguel Arraes, parlatório (da ALEPE) Eduardo Campos. Não esquecer
a Upinha Eduardo Campos, o Hospital Miguel Arraes. Além das avenidas, temos
ruas Miguel Arraes e Eduardo Campos, além de um residencial Eduardo Campos. Hoje as ruas do Recife se chamam Dr. Fulano de Tal. A
mãe do ex-governador está no TCU, ela também é filha do ex-governador Miguel, e
avó do atual prefeito, que segundo as previsões de Nostradamus, será capitão general
da província mais libertária das Américas, onde o sol da liberdade surgiu
primeiro, na antiga Marim dos Caetés.
O
Recife nunca esteve tão feio e tão pobre, mas o prefeito “neva” no carnaval
e cai no passinho. Nem se pode mais dizer, no frevo. Agora é o canibalismo
cultural do passinho: tudo pelo povo. Se o povo da periferia dança, por que eu,
que sou o príncipe das lutas populares hei de negar? Foram tantos pequenos
passos do homem e grandes saltos para a humanidade que o patrimônio do prefeito
caminhou 11 vezes para cima, isso não deixa de ser também um fenômeno.
Além
do talento na dança, não se pode dizer que o príncipe não tenha talento na arte
de fazer dinheiro. Como ele é habilidoso nas redes, poderia instituir um
programa popular para o jovem da periferia sair do passo e cair no
investimento. Ele poderia dar a aula inaugural e criar núcleos nas áreas mais
carentes do Recife ensinando o que é ser um investidor, um empreendedor. Certa vez
dei uma palestra no Vasco da Gama e uns três alunos da rede municipal vieram
falar comigo sobre o interesse deles em investir. Nem só de passinho vive a
periferia.
Para
quem manda e desmanda, dançar, seja a dança que for, é um momento de
descontração e de autopromoção. A dança que uma figura pública como o prefeito
faz, só prejudica quem precisa sair da miséria cultural que se estar afogado. A
dancinha do prefeito só é boa para ele, e ruim para o pobre, que precisa sair
desse entrave cultural imposto pelo mal gosto que viceja em todo canto, é uma
pichação musical que precisa se substituída por algo de valor.
Quando
o prefeito faz sua performance, ele escarnece com a população, principalmente
com os pais e mães que querem que o filho ascenda, que melhore sua situação, seu
estado de vida. É uma desconstrução da alma ensinar algo, tentar fugir do
grotesco e assistir o representante maior do município no aspecto político se
requebrando para parecer legal ou descolado. Isso não é ser amigo da periferia,
isso é ser um algoz dos mais terríveis porque quem deveria se levantar, está
afundando.
Fazer
isso, prefeito, é muito bonito para o senhor que anda com seus seguranças e
vários cupinchas, mas aquele coitado que se requebra na favela, muitas vezes,
seu patrimônio é apenas esse, e como o horizonte cultural dele é pequeno e
diminuído com as porcarias que escuta, ficará manietado para sempre nisso,
reproduzindo eternamente uma expressão vazia, sem beleza e autodestrutiva. Prefeito,
reproduza os onze passos que eleve o Recife para o alto e não para o chão, chão,
chão...
Recife, 13 de agosto de 2024
Antônio Manuel da Silva Filho,
1º Vice-Presidente da Academia
Recifense de Letras