13 agosto, 2024

OS ONZE PASSOS


                O prefeito curte a voz do povo e se requebra no passinho. Vai, vai, vai... Ele se requebra até em inauguração de obra pública, publica nas redes e vai: curtem, comentam e compartilham. Pessoas de outros lugares passaram a desejar os passinhos do meu prefeito, como carinhosamente passaram a chamá-lo nas redes sociais e assim suas visualizações vão aumentando e ele vai se tornando um fenômeno das redes e da dança, além, claro, da administração pública.

                É realmente notável o talento que certas famílias têm para o mandonismo. Nem Duarte Coelho, capitão donatário de Pernambuco, conseguiu a façanha da família Campos. Quando o Extraterrestre baixa em Pernambuco e vai saindo do aeroporto, se ele resolver entrar por lá, já vai ver ali próximo um velho acenando com o chapéu: é o avô do prefeito, que também já fora prefeito e governador. 

                Não vamos deixar de ter UPA Miguel Arraes, Hospital Eduardo Campos, Av. Norte Miguel Arraes, ALEPE Miguel Arraes, parlatório (da ALEPE) Eduardo Campos. Não esquecer a Upinha Eduardo Campos, o Hospital Miguel Arraes. Além das avenidas, temos ruas Miguel Arraes e Eduardo Campos, além de um residencial Eduardo Campos. Hoje as ruas do Recife se chamam Dr. Fulano de Tal. A mãe do ex-governador está no TCU, ela também é filha do ex-governador Miguel, e avó do atual prefeito, que segundo as previsões de Nostradamus, será capitão general da província mais libertária das Américas, onde o sol da liberdade surgiu primeiro, na antiga Marim dos Caetés.

                O Recife nunca esteve tão feio e tão pobre, mas o prefeito “neva” no carnaval e cai no passinho. Nem se pode mais dizer, no frevo. Agora é o canibalismo cultural do passinho: tudo pelo povo. Se o povo da periferia dança, por que eu, que sou o príncipe das lutas populares hei de negar? Foram tantos pequenos passos do homem e grandes saltos para a humanidade que o patrimônio do prefeito caminhou 11 vezes para cima, isso não deixa de ser também um fenômeno.

                Além do talento na dança, não se pode dizer que o príncipe não tenha talento na arte de fazer dinheiro. Como ele é habilidoso nas redes, poderia instituir um programa popular para o jovem da periferia sair do passo e cair no investimento. Ele poderia dar a aula inaugural e criar núcleos nas áreas mais carentes do Recife ensinando o que é ser um investidor, um empreendedor. Certa vez dei uma palestra no Vasco da Gama e uns três alunos da rede municipal vieram falar comigo sobre o interesse deles em investir. Nem só de passinho vive a periferia.

                Para quem manda e desmanda, dançar, seja a dança que for, é um momento de descontração e de autopromoção. A dança que uma figura pública como o prefeito faz, só prejudica quem precisa sair da miséria cultural que se estar afogado. A dancinha do prefeito só é boa para ele, e ruim para o pobre, que precisa sair desse entrave cultural imposto pelo mal gosto que viceja em todo canto, é uma pichação musical que precisa se substituída por algo de valor.

                Quando o prefeito faz sua performance, ele escarnece com a população, principalmente com os pais e mães que querem que o filho ascenda, que melhore sua situação, seu estado de vida. É uma desconstrução da alma ensinar algo, tentar fugir do grotesco e assistir o representante maior do município no aspecto político se requebrando para parecer legal ou descolado. Isso não é ser amigo da periferia, isso é ser um algoz dos mais terríveis porque quem deveria se levantar, está afundando.

                Fazer isso, prefeito, é muito bonito para o senhor que anda com seus seguranças e vários cupinchas, mas aquele coitado que se requebra na favela, muitas vezes, seu patrimônio é apenas esse, e como o horizonte cultural dele é pequeno e diminuído com as porcarias que escuta, ficará manietado para sempre nisso, reproduzindo eternamente uma expressão vazia, sem beleza e autodestrutiva. Prefeito, reproduza os onze passos que eleve o Recife para o alto e não para o chão, chão, chão...

 

Recife, 13 de agosto de 2024

 

Antônio Manuel da Silva Filho,

1º Vice-Presidente da Academia Recifense de Letras