17 fevereiro, 2025

ASPECTOS JURÍDICOS DO ABORTO

  

                                                                                               Paulo Eduardo Razuk

                                                                                               Des. Aposentado do TJSP

                                                                                               Doutor em direito pela USP

 

               Consiste o abortamento na interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção, ovo, embrião ou feto.

               É fato cientificamente incontestável que a vida humana começa com a fecundação. Quando o espermatozóide penetra o óvulo, formando o ovo, inicia-se o ciclo da vida, que só termina com a morte.

              As características de cada ser humano já estão contidas na célula inicial, que evolui até o seu pleno desenvolvimento, recebendo do exterior os nutrientes de que necessita. Com a fusão dos gametas, são determinados os caracteres hereditários: sexo, cor dos olhos, da pele, dos  cabelos,   grupo  sanguíneo, fator RH,  etc.

             Cerca de trinta horas após a concepção, têm  início  as  divisões celulares que caracterizam  a evolução do ser humano no ventre materno. Ao fim do segundo mês todos os sistemas orgânicos estão formados, sendo possível ouvir-se  as  batidas do coração. No terceiro mês, o feto já possui impressões digitais, sendo capaz de beber e urinar. Realiza movimentos, dorme, acorda, ouve os ruídos externos, percebe a luz, sente dor e frio.

              O art. 5º caput da Constituição Federal, assegura a inviolabilidade do direito à vida, sem precisar o seu início.

             Ocorre que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratado internacional conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, subscrito e ratificado pelo Brasil, passou a integrar o nosso direito interno. Foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 24   de  26  de Maio de 1992 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 678 de 6 de Novembro de 1992.

              No julgamento do habeas corpus nº 91.361/2008, o Supremo Tribunal Federal, a propósito da prisão civil, reconheceu o caráter de supra legalidade de tal diploma, cuja posição hierárquica  se  situa entre a Constituição e a Lei Ordinária.

              Pois bem, o art. 4º, I, daquele tratado proclama que o direito à vida deve ser protegido desde o momento da concepção. É norma supra legal  que  integra  a  eficácia do art. 5º caput da Lei Maior, para precisar, de acordo com a ciência, o início da vida humana, que deve ser respeitada. Reforça tal posição o Código Civil de 2002, cujo art. 2º põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Sem a vida, não há possibilidade de adquirir direito algum.

               A tutela jurídica da vida é completada pelos artigos 124 a 128 do Código Penal, que tratam do crime de abortamento, que consiste na interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção: ovo, embrião ou feto.

               Não  é  verdade  que o art. 128 do Código Penal autorize a prática do abortamento praticado por médico, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resultar  de estupro. Em face de tais circunstâncias, o fato típico é impunível, mas não deixa de ser injurídico. A causa é de isenção de pena, não de exclusão de ilicitude.

             No julgamento da ADPF   54,  relator o Ministro  Marco Aurélio, o STF  autorizou o abortamento do feto anencefálico, o que introduziu no direito brasileiro o aborto eugenésico, a escolha de quem pode ou não viver! Clara invasão da função legislativa, privativa do Congresso Nacional.

             Diante do avanço da medicina, o aborto “terapêutico” constitui uma velharia injustificável do ponto de vista médico, uma vez que de há muito a medicina conta com recursos que possibilitam conduzir com êxito a gravidez de risco.

             Também o aborto “sentimental” é injustificável. Não é possível reparar a ofensa da mãe com a morte do filho. A violência do estupro não justifica que se pratique outra violência contra um ser inocente e indefeso, provocando duplo trauma na mulher. Lavar a honra da mãe com o sangue do filho inocente é conduta que não se coaduna com o Direito, nem realiza a justiça.

             Não prevê a lei isenção de pena para o abortamento  eugenésico,  ou seja, a eliminação de fetos defeituosos. Nem para o abortamento por motivo econômico-social, a falta de condições para criar os filhos.

              O art. 128 do Código Penal é bastante em si para a finalidade a que se propõe, isentar de pena o abortamento nos casos lá previstos. Não depende de lei ou direito ulteriores para integrar-lhe  a eficácia. Descabe regulamentação para assegurar  a  prática de abortamento naquelas hipóteses. Tratando-se de ato ilícito, não há direito subjetivo a tutelar. Não pode o juiz autorizá-lo, nem será o médico obrigado a fazê-lo, por ofender a sua consciência ou a ética profissional.

              Assim sendo, não há como colocar a rede hospitalar, pública ou privada, à disposição da prática de um ato ilícito. Nem compete a juiz conceder alvará para abortamento, em qualquer hipótese. Juiz algum está autorizado a permitir o cometimento de um crime (não importa que eximido de pena) ou, mesmo não sendo crime, de um ato ilícito, de uma ação contrária à lei. Lei ordinária que assim dispusesse, a pretexto de regulamentar o art. 128 do  Código Penal, ofenderia o art. 5º caput da Constituição Federal, uma vez que o legislador ordinário não poderia frustrar ao feto o direito à vida que lhe foi transfundido no ato da concepção.

              Em resumo, inexiste aborto “legal”, visto que não há direito de matar. A vida humana não se submete ao arbítrio de outrem.

             Por  fim,   é preciso lembrar que as leis não podem ser elaboradas arbitrariamente pelo legislador. Há uma justiça anterior e superior à lei escrita. Há direitos que precedem a feitura das normas estatuídas pelo poder social competente. Esta justiça e estes direitos, que não dependem das prescrições da ordem jurídica positiva, fundamentam-se na ordem natural.

            Tratando-se da vida humana, não pode o direito positivo afastar-se do direito natural, sob pena de perda da sua legitimidade.

 

  

 

Bibliografia

 

1.       Aborto, diversos autores médicos, Agir, Rio de Janeiro, 1982.

 

2.       Ricardo Dip, Uma Questão Biojurídica Atual: a autorização judicial de aborto ----- alvará para matar, R/T 734, pg. 517/540.


3.        Walter Moraes, O Problema da Autorização Judicial para o Aborto, RJTJESP, 99, pg. 19/29.

  

4.       Walter Moraes, O Direito Natural e os Nossos Julgamentos, São Paulo, 1985.


5.       Adriano Marrey, O Crime de Aborto, RT, v. 329, pg. 7/17.

 

 

6.       José Pedro Galvão de Sousa, Direito Natural, Direito Positivo e Estado de Direito, RT, São Paulo, 1977.