Paulo Eduardo Razuk
Des. Aposentado do TJSP
Doutor em direito pela USP
Consiste o abortamento na
interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção, ovo, embrião
ou feto.
É fato cientificamente
incontestável que a vida humana começa com a fecundação. Quando o
espermatozóide penetra o óvulo, formando o ovo, inicia-se o ciclo da vida, que
só termina com a morte.
As características de cada ser humano já estão contidas na célula inicial, que evolui até o seu pleno desenvolvimento, recebendo do exterior os nutrientes de que necessita. Com a fusão dos gametas, são determinados os caracteres hereditários: sexo, cor dos olhos, da pele, dos cabelos, grupo sanguíneo, fator RH, etc.
Cerca de trinta horas após a
concepção, têm início as divisões
celulares que caracterizam a evolução do
ser humano no ventre materno. Ao fim do segundo mês todos os sistemas orgânicos
estão formados, sendo possível ouvir-se
as batidas do coração. No
terceiro mês, o feto já possui impressões digitais, sendo capaz de beber e
urinar. Realiza movimentos, dorme, acorda, ouve os ruídos externos, percebe a
luz, sente dor e frio.
O art. 5º caput da Constituição Federal, assegura a inviolabilidade do
direito à vida, sem precisar o seu início.
Ocorre que a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, tratado internacional conhecido como Pacto de São José
da Costa Rica, subscrito e ratificado pelo Brasil, passou a integrar o nosso
direito interno. Foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 24 de 26 de
Maio de 1992 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 678 de 6 de Novembro de
1992.
No julgamento do habeas corpus nº 91.361/2008, o Supremo
Tribunal Federal, a propósito da prisão civil, reconheceu o caráter de supra legalidade
de tal diploma, cuja posição hierárquica
se situa entre a Constituição e a
Lei Ordinária.
Pois bem, o art. 4º, I, daquele
tratado proclama que o direito à vida deve ser protegido desde o momento da
concepção. É norma supra legal que integra
a eficácia do art. 5º caput da Lei Maior, para precisar, de
acordo com a ciência, o início da vida humana, que deve ser respeitada. Reforça
tal posição o Código Civil de 2002, cujo art. 2º põe a salvo, desde a concepção,
os direitos do nascituro. Sem a vida, não há possibilidade de adquirir direito
algum.
A tutela jurídica da vida é
completada pelos artigos 124 a 128 do Código Penal, que tratam do crime de
abortamento, que consiste na interrupção da gravidez, com a destruição do
produto da concepção: ovo, embrião ou feto.
Não é verdade
que o art. 128 do Código Penal autorize a prática do abortamento
praticado por médico, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou
se a gravidez resultar de estupro. Em
face de tais circunstâncias, o fato típico é impunível, mas não deixa de ser
injurídico. A causa é de isenção de pena, não de exclusão de ilicitude.
No julgamento da ADPF nº 54,
relator o Ministro Marco Aurélio, o STF autorizou o abortamento do feto anencefálico,
o que introduziu no direito brasileiro o aborto eugenésico, a escolha de quem pode
ou não viver! Clara invasão da função legislativa, privativa do Congresso
Nacional.
Diante do avanço da medicina, o
aborto “terapêutico” constitui uma velharia injustificável do ponto de vista
médico, uma vez que de há muito a medicina conta com recursos que possibilitam
conduzir com êxito a gravidez de risco.
Também o aborto “sentimental” é
injustificável. Não é possível reparar a ofensa da mãe com a morte do filho. A
violência do estupro não justifica que se pratique outra violência contra um
ser inocente e indefeso, provocando duplo trauma na mulher. Lavar a honra da
mãe com o sangue do filho inocente é conduta que não se coaduna com o Direito,
nem realiza a justiça.
Não prevê a lei isenção de pena
para o abortamento eugenésico, ou seja, a eliminação de fetos defeituosos.
Nem para o abortamento por motivo econômico-social, a falta de condições para
criar os filhos.
O art. 128 do Código Penal é
bastante em si para a finalidade a que se propõe, isentar de pena o abortamento
nos casos lá previstos. Não depende de lei ou direito ulteriores para
integrar-lhe a eficácia. Descabe
regulamentação para assegurar a prática de abortamento naquelas hipóteses.
Tratando-se de ato ilícito, não há direito subjetivo a tutelar. Não pode o juiz
autorizá-lo, nem será o médico obrigado a fazê-lo, por ofender a sua
consciência ou a ética profissional.
Assim sendo, não há como colocar a rede
hospitalar, pública ou privada, à disposição da prática de um ato ilícito. Nem
compete a juiz conceder alvará para abortamento, em qualquer hipótese. Juiz
algum está autorizado a permitir o cometimento de um crime (não importa que
eximido de pena) ou, mesmo não sendo crime, de um ato ilícito, de uma ação
contrária à lei. Lei ordinária que assim dispusesse, a pretexto de regulamentar
o art. 128 do Código Penal, ofenderia o
art. 5º caput da Constituição Federal,
uma vez que o legislador ordinário não poderia frustrar ao feto o direito à
vida que lhe foi transfundido no ato da concepção.
Em resumo, inexiste aborto
“legal”, visto que não há direito de matar. A vida humana não se submete ao
arbítrio de outrem.
Por fim, é
preciso lembrar que as leis não podem ser elaboradas arbitrariamente pelo
legislador. Há uma justiça anterior e superior à lei escrita. Há direitos que
precedem a feitura das normas estatuídas pelo poder social competente. Esta
justiça e estes direitos, que não dependem das prescrições da ordem jurídica
positiva, fundamentam-se na ordem natural.
Tratando-se da vida humana, não pode o direito positivo afastar-se do
direito natural, sob pena de perda da sua legitimidade.
Bibliografia
1.
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Janeiro, 1982.
2. Ricardo Dip, Uma Questão Biojurídica Atual: a autorização judicial de aborto ----- alvará para matar, R/T 734, pg. 517/540.
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4.
Walter Moraes, O Direito Natural e os Nossos
Julgamentos, São Paulo, 1985.
5.
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pg. 7/17.
6.
José Pedro Galvão de Sousa, Direito Natural,
Direito Positivo e Estado de Direito, RT, São Paulo, 1977.